Por que a escola é tão ruim?

Do ponto de vista arquitetônico, as escolas públicas brasileiras talvez só não sejam piores do que os presídios

Curitiba não teve segundo turno nas eleições municipais deste ano, para alívio dos cidadãos que votaram pela não mudança. E assim, a maioria de nós, que não trabalhamos para as secretarias da Educação municipal ou estadual, perdemos uma das nossas poucas oportunidades de ver uma escola pública por dentro.

Verdade seja dita, é pouco provável que nossos olhos fossem encontrar alguma novidade nos corredores e paredes daqueles prédios onde os futuros eleitores da cidade passam a maior parte de suas vidas, em processo de “formação”. Sim, já estivemos por ali algumas vezes. E é justamente esse o problema: se o encontro direto, ainda que por apenas alguns minutos, com aquele chão frio de concreto, com o pátio estilo “terrão” e as salas de aula iguaizinhas àquelas que frequentamos décadas atrás não nos motiva a prestar atenção no que os políticos fazem com nosso dinheiro, o que o fará?

Em 2017, iniciei um trabalho de extensão universitária junto ao Colégio Estadual Conselheiro Zacarias. A ideia era organizar uma equipe de estudantes de Comunicação da Uninter e realizar oficinas de produção jornalística com jovens do ensino médio. Depois de bater em vão em algumas portas de escolas públicas da região central da cidade – por questões de transporte, o colégio precisava estar perto do nosso campus – cheguei até a Raquel Arpini, jovem diretora do Zaca, que nos recebeu de braços abertos. Aceitar o projeto significava tomar uma série de medidas: divulgá-lo junto aos estudantes e seus responsáveis; reservar uma sala para nossas reuniões semanais; oferecer almoço gratuito aos que quisessem participar do projeto, que funcionava no contraturno. Não era pouca coisa.

E graças à boa vontade da Raquel, eu pude conhecer o Zacarias, o colégio estadual há mais tempo no mesmo endereço da cidade (fundado em 1911), instalado na Ubaldino do Amaral, esquina com a Almirante Tamandaré, onde nosso mais famoso romancista, Cristovão Tezza, passou algumas horas sofridas de sua adolescência. O colégio quase foi fechado em 2019, depois de entrar na lista de corte da Secretaria de Estado da Educação. Mas Raquel lutou, a comunidade se uniu e, por enquanto, permanece de portas abertas.

Recebemos a “sala especial” da escola para fazer nosso trabalho, a única que tinha uma smart TV, doada pelo Coritiba (o clube matricula ali os seus projetos de atleta, que moram no Couto Pereira, a quatro quadras de distância) – na verdade, não ajudava muito, porque a internet raramente funcionava. Apesar de nosso projeto ser a única atividade oferecida no contraturno da escola, não foi fácil atrair participantes, e depois de muita divulgação começamos a trabalhar com um grupo de 12 jovens. A ideia era encontrar uma questão motivadora (o projeto se chamava “Explica Aí!”), e desenvolver uma pauta sugerida pelos estudantes, em formato de reportagem multimídia. Depois das duas primeiras oficinas, quando nos sentamos para discutir as possíveis pautas, um garoto lançou a pergunta: “por que a escola é tão ruim?” Ele não estava falando especificamente da escola dele, havia ali uma consciência de cidadão, uma inquietação a respeito da educação pública brasileira, o que se tornou nosso ponto de partida.

Essa inquietação nos levou a visitar a Alep, afinal é lá onde se discute o destino das verbas públicas do governo estadual, juntamente com o Executivo. Era nossa primeira visita àquele lugar e ficamos, eu inclusive, todos impressionados com a imponência e o luxo dos prédios por onde transitam nossos deputados e seus assessores. Como é possível que o mesmo Estado que constrói aquela estrutura exuberante seja tão mesquinho com as escolas onde seus filhos e filhas estudam? O contraste é acachapante, e uma amostra disso pode ser vista no ensaio fotográfico produzido pelos estudantes, comparando imagens feitas na Alep com as do Zaca (aqui).

Tive o privilégio de estudar no Colégio Estadual do Paraná no início dos anos 1990. Piscina, observatório astronômico, salas de arte, laboratórios e oficinas. Resquícios ainda funcionais de uma estrutura concebida nas décadas de 1950 e 60. Não era para toda escola ser assim?

Costuma-se dizer que a situação das escolas municipais de Curitiba é melhor do que a das estaduais. A escola municipal mais próxima da minha casa, no bairro São Braz, tem Ideb 6,8, acima da média da capital (6,5), e bem superior à média nacional (5,8). Antes da pandemia, no recreio, as crianças brincavam no pátio de terra. Há uma quadra coberta, mas a cobertura só funciona se não chover muito – tampouco há uma estrutura coberta para as crianças chegarem até lá. Agora, os professores estão trabalhando de casa, em seus computadores pessoais, pagando por sua própria internet, sem qualquer suporte material da prefeitura. Após 8 meses com as crianças fora da sala de aula, na semana passada algumas escolas privadas retomaram as atividades. No setor público, no entanto, não há qualquer previsão de retorno – se existe um plano, não sabemos qual é. Por que achamos que tudo isso é aceitável?

Uma vez ouvi de um arquiteto que é possível enxergar nos prédios mais destacados de uma sociedade os valores que ela prioriza. Do ponto de vista arquitetônico, as escolas públicas brasileiras talvez só não sejam piores do que os presídios. Haverá outro sinal mais evidente de nosso desprezo pela educação pública do que este? Por que aceitamos passivamente que os prédios de nossas escolas sejam tão precários, que as condições de trabalho dos profissionais da educação, que envolvem muito mais do que os espaços físicos em que atuam, sejam tão ruins? E por que tão poucos cidadãos, empresas e universidades, inclusive as públicas, se envolvem diretamente com a vida cotidiana das escolas?

Parece que deixamos passar uma oportunidade de procurar respostas a estas perguntas. Daqui a dois anos, em eleições para deputados, governadores e presidente, poderemos revisitá-las, as perguntas e as escolas. Mas será que elas realmente nos interessam?

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