Por que a araucária está preste a se tornar uma paisagem existente apenas em obras de artistas?

O Paraná vem se transformando em um mar de monoculturas e de centros urbanos, ambos desprovidos de áreas naturais

Neste dia 24 de junho comemoramos o Dia Nacional da Araucária. Essa data, lembrada em meio à turbulências causadas pela pandemia que se somam a enormes problemas ambientais, a exemplo da atual crise hídrica, nos proporciona uma oportunidade de melhor contextualizar o alcance dessa referência, que vai muito além de uma espécie de árvore que se projeta na paisagem dos planaltos Sul do Brasil.

Para nós paranaenses, que não possuímos grande coleção de tradições próprias, nenhum símbolo consegue alcançar o que representa a araucária. A árvore frondosa e imponente é um consenso em nosso território, mesmo em áreas onde não ocorre naturalmente. Adotada como símbolo, está registrada em incontáveis obras de arte dos maiores pintores paranaenses. E presente em várias marcas da gestão pública, a começar pela bandeira do governo do Paraná. 

Mas a admiração não é garantia de que sejam protegidas as últimas áreas naturais onde a Floresta com Araucária ainda está presente. Utilizada como matéria-prima para impulsionar a nossa economia por décadas, a araucária – e todas as grandes árvores que a acompanham na Floresta com Araucária – foram exploradas de forma descontrolada até os dias de hoje. Sua presença acabou limitada a formações naturais a pequenos fragmentos espalhados especialmente na região centro sul do país. A floresta que ocupou um terço do território paranaense não tem hoje mais do que 0,8% de remanescentes em bom estado de conservação no Paraná.

Juntamente com esse ecossistema tão singular e rico, sumiram da paisagem conjuntos de ambientes extraordinários, como os nosso Campos Naturais e as Florestas do Oeste, Noroeste e Norte do Paraná. A paisagem natural deu lugar às imensas plantações. O Paraná se recusou a respeitar o regramento do Código Florestal, que já na década de 1960 orientava para a necessidade de que uma fração de 20% de cada propriedade deveria ser mantida com cobertura natural – um entendimento que remete ao interesse público da propriedade privada.

Difícil imaginar, mas podem passar mais cem anos e nenhum paranaense terá a oportunidade de vislumbrar uma área realmente próxima do que foi a composição de árvores gigantes da Floresta com Araucária. Nenhum remanescente sobrou intacto. Nem mesmo algum representante das grandes araucárias, com mais de seis metros de circunferência, foi poupado para ser admirada na natureza. As poucas áreas que ainda resistem são apenas uma caricatura do que existia décadas atrás.

Para garantir a nossa qualidade de vida e a perenidade de nossas atividades econômicas, teremos uma enorme tarefa para restaurar o que foi excesso de destruição, recompondo ambientes naturais e tendo por base a diversidade de espécies ainda presente nos redutos bem conservados. 

A história poderia ser outra. Os 20% de cada propriedade, indicados pela legislação, garantiriam a perpetuação da paisagem e, ao mesmo tempo, a provisão dos serviços ecossistêmicos dos quais dependemos todos; a água como maior exemplo. Ademais, seriam atrativos com um potencial tão valioso como as Cataratas do Iguaçu–  a única porção do Paraná, juntamente com a Serra do Mar – que ainda mantém uma condição de conservação, paisagens amplas e uma biodiversidade que se aproxima das áreas naturais originais ou primárias.

Muito longe de sua fama simbólica, no dia a dia a árvore araucária tem outra conotação. Ou representa metros cúbicos de madeira, ou parece não ter qualquer significado, a partir dos discursos correntes de madeireiros e políticos que se permitem sustentar a tese de que o símbolo do Paraná só poderá sobreviver se os seus exemplares adultos forem cortados. As áreas naturais, nesse contexto bastante pragmático, só se justificam se gerarem madeira. Caso contrário, esses remanescentes representam, reiteradamente, um peso para inútil para seus proprietários.

Tanto a araucária isoladamente, quanto a Floresta com Araucária, conjunto de espécies da qual a árvore símbolo é apenas um dos elementos, estão hoje em condições críticas de proteção na natureza. Pouco significam as araucárias esparsas aqui e ali, que mantêm uma falsa perspectiva sobre sua conservação. Não há relação entre a manutenção de uma espécie presente isoladamente na paisagem e sua efetiva conservação da natureza. Ignoramos de forma inaceitável a necessidade de resgate de nossos ambientes naturais completos e que, em boa parte, sumiram drasticamente da paisagem.   

Neste Dia da Araucária, soa profundamente demagógico comemorar a presença efêmera de resquícios dos ambientes naturais em que ela ocorre originalmente. Tampouco são significativos os elementos isolados na paisagem urbana e rural em relação a essa grande floresta representou, poucos anos atrás. De fato, ao mesmo tempo em que cultuamos um símbolo, na prática ele é rechaçado pela sociedade no que se refere a um compromisso mínimo de proteção legal para garantir sua conservação.

O ódio explicitado por quem entende que a araucária e a sua floresta são um atrapalho ao desenvolvimento, e que afirmam arrancar sistematicamente todas as mudas dessa espécie que nascem ao redor, deveriam reavaliar suas posições. O Paraná está se transformando em um mar de grandes monoculturas e de centros urbanos, ambos desprovidos de áreas naturais. Até os dias de hoje, gestores públicos se dobram às pressões e se corrompem, atendendo àqueles que querem seguir destruindo nossas últimas porções de natureza ainda presentes na paisagem. 

No dia em que lembramos da araucária, precisamos entender que é o Patrimônio Natural do Paraná que precisa de atenção e amparo. Que uma espécie como a araucária representa o conjunto ricamente variado que a acompanha – a biodiversidade de nossas inigualáveis paisagens naturais. Até aqui, estamos diante de paisagens que estão sendo preservadas apenas em pinturas de grandes artistas, avançando na destruição do pouco que ainda resta na natureza, com a condescendência e o descaso de grande parte dos paranaenses.

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