O “rouba, mas faz” no contexto das eleições gerais de 2018

Décadas após ser cunhado, bordão continua recebendo suporte de parte dos brasileiros

O “rouba, mas faz” é um dos bordões mais conhecidos da política brasileira. Sua origem remete ao ex-governador e ex-prefeito da capital de São Paulo Adhemar de Barros (1901-1969). Mais recentemente, o bordão passou a ser associado ao político e figura também conhecida no cenário paulista, Paulo Maluf (1931-).

Inicialmente utilizado pelos apoiadores de Adhemar como estratégia de defesa diante das acusações direcionadas ao político, o bordão passou a ser compreendido por segmentos da sociedade e da elite política nacional como algo positivo. Afinal, em um contexto de forte desconfiança em relação à política, um representante que, embora notoriamente corrupto, promova a melhoria dos serviços públicos muitas vezes é preferível àquele que além de roubar, mostra-se um péssimo administrador.

Paulo Maluf teve seus bens penhorado pela Justiça sob acusação de corrupção. Crédito da foto: Gustavo Dias. Agência Câmara dos Deputados.

Claro que, em um cenário ideal, a corrupção não seria algo facilmente tolerável, sobretudo pelos danos que tal prática pode causar ao bom funcionamento das instituições do Estado. Porém, sabemos que as coisas nem sempre são como deveriam ou poderiam ser.

Nesse sentido, existem pesquisas que se dedicam a identificar qual o perfil dos indivíduos que se mostram mais adeptos à ideia do “rouba, mas faz”. Em estudo publicado em 2013 na revista Opinião Pública, o cientista político Robert Bonifácio apresenta que, dentre os vários fatores que interferem nesse processo, características socioeconômicas e demográficas são elementos importantes.

Ele demonstra que há uma associação entre escolaridade, renda, idade e o suporte a ideia de que um político que entrega bens públicos, mesmo que corrupto, trata-se de uma boa alternativa. Indivíduos menos escolarizados, com menor renda e mais jovens apresentam tendência em endossar o “rouba, mas faz”.

Sobre a dimensão demográfica, o também cientista político Alberto Carlos Almeida aponta, em seu livro A Cabeça do Brasileiro (de 2007), que em algumas regiões do país os cidadãos manifestam maior aceitação ao que é conhecido como “jeitinho brasileiro”.

Capa do livro A Cabeça do Brasileiro. Crédito da foto: divulgação.

Essas pesquisas, no entanto, lidam com informações de anos atrás. Torna-se pertinente, então, verificar se tais características ainda são relevantes nos dias de hoje. Isso é importante dado o conturbado cenário político que o Brasil vem enfrentando desde as manifestações de junho de 2013 e do desenrolar da Operação Lava Jato, iniciada em 2014.

Outro aspecto a ser considerado é o contexto atípico das eleições de 2018, marcada por acontecimentos como o impedimento da candidatura do ex-presidente Lula (PT) e a facada no candidato eleito Jair Bolsonaro (à época do PSL).

Aliás, o segundo turno da eleição reforçou a divisão do eleitorado brasileiro entre as pessoas já cansadas da gestão petista, e dos casos de corrupção envolvendo lideranças e aliados do partido, e aqueles que ainda viam no projeto do PT uma possibilidade concreta para o futuro do país (ou uma alternativa a ascensão da extrema-direita).

Enfim, o fato é que o período que vai de 2013 a 2018 foi repleto de particularidades, o que fortalece a necessidade de entender a política brasileira, e suas peculiaridades, a partir de informações atualizadas.

Fernando Haddad disputou o segundo turno da eleição de 2018 contra Bolsonaro. Crédito da foto: arquivo.

Assim, é válido indagar: em que medida características socioeconômicas e demográficas ainda se tratam de condicionantes do apoio a um dos bordões mais tradicionais da política nacional? E de que modo a divisão do eleitorado no segundo turno das eleições de 2018 pode apresentar relações com a ideia de “rouba, mas faz” no Brasil?

Com base nos dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) de 2018 é possível investigar tais questões. O ESEB é uma pesquisa pós-eleitoral realizada em todo o país, desde 2002, pelo Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas.

A pesquisa de 2018 entrevistou 2.506 brasileiros. Dentre as várias questões feitas aos entrevistados, há uma bateria de perguntas relacionadas à ideia de “rouba, mas faz”. Para fins deste artigo, foi selecionada uma questão interessada em saber o quanto o indivíduo concorda ou discorda com a seguinte frase: “O melhor político é o que faz muitas obras e realizações, mesmo que roube um pouco”. O entrevistado poderia escolher uma entre cinco opções, que iam de “concorda muito” até “discorda muito”.

Os resultados mostram que 15,8% concordaram muito com a frase; 9% concordaram um pouco; 1,1% não concordaram, nem discordaram; 9,2% discordaram um pouco; e, por fim, 61,9% alegaram discordar muito – 3% não souberam ou não quiseram responder.

De cara é possível perceber o rechaço da maioria dos entrevistados ao indicador da ideia de “rouba, mas faz”, o que pode ter relação com o crescimento da agenda anticorrupção nos anos que precederam a realização da pesquisa. Entretanto, será que existem variações conforme as características socioeconômicas e demográficas dos respondentes?

O ex-presidente Lula perdeu o direito de disputar a eleição de 2018. Crédito da foto: Ricardo Stuckert.

Pois bem, testes estatísticos indicam que fatores como escolaridade e renda ainda importam. Pessoas menos escolarizadas e com menor renda apresentam tendência em concordar muito com a afirmação de que o melhor político é o que faz obras e realizações, mesmo que corrupto. Contudo, a idade não se mostra variável muito relevante nesse caso.

Tratando-se das diferenças regionais e tendo em vista a votação para o segundo turno das eleições de 2018, os dados oferecem mais informações. Em primeiro lugar, em todas as regiões a maioria dos entrevistados discordaram muito da frase. Porém, quando se analisa as diferenças entre as regiões de forma mais minuciosa, nota-se que respondentes do Sul e Sudeste são mais taxativos em rejeitar a ideia do “rouba, mas faz”, enquanto entrevistados do Nordeste se mostram mais alinhados a tal proposição.

O gráfico abaixo traz uma análise que busca investigar as relações entre o voto no segundo turno, região, e a posição diante da ideia de “rouba, mas faz”. Identifica-se a formação de dois grupos. Do lado esquerdo estão os entrevistados do Nordeste que, como já é sabido, votaram em massa no candidato petista, Fernando Haddad. Do lado direito estão os respondestes do Sul e Sudeste que preferiram, em sua maioria, o candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro. A nova informação se trata da maior aceitação dos votantes do PT e nordestinos em relação à ideia de “rouba, mas faz”, enquanto o contrário ocorre com os eleitores de Bolsonaro e moradores da região Sul e Sudeste.

Antes de qualquer afirmação sobre os resultados indicados acima, é importante frisar que os testes empreendidos foram preliminares. É necessário um maior aprofundamento nos dados para que afirmações mais consistentes possam ser feitas. Além disso, é importante analisar como todas as variáveis se comportam conjuntamente. Por quê?

Por exemplo, sabe-se que, de forma geral, as regiões Norte e Nordeste são as que mais sofrem em decorrência da profunda desigualdade que define nosso país. Embora essas regiões possuam municípios que são referências nacionais no que diz respeito à qualidade da educação, em geral, elas ainda apresentam significativos déficits educacionais e de renda, o que muito provavelmente é mais decisivo para os resultados ora apresentados do que a região em si.

De todo modo, com base nos dados, três aspectos ensejam discussões. Em primeiro lugar, é difícil falar do contexto político brasileiro e do comportamento do eleitorado sem levar em conta a desigualdade que se faz presente no país, sobretudo no que se refere à fatores como educação e renda. Logo, é válido reforçar essa realidade e buscar alternativas para mitigá-la.

Bolsonaro foi esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018 em Juiz de Fora (MG). Crédito da foto: reprodução.

Em segundo lugar, talvez seja interessante oferecer maior atenção a forma como os brasileiros lidam com políticos corruptos, mas bons administradores, quando decidem em quem votar – por exemplo, comparando diferentes períodos eleitorais.

Por fim, fica a dúvida se o cenário exibido acima sofrerá alterações no próximo pleito. Será que um eventual efeito negativo dos escândalos envolvendo a família Bolsonaro e das péssimas decisões do presidente no combate ao coronavírus pode ser suavizado pelo auxílio emergencial ou por investimentos na oferta de bens públicos para a população? Enfim, aguardemos, 2022 está logo aí.

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