Como médico, tenho medo de 2021

Trabalho no setor Covid desde o começo da pandemia em março, vi o pior da pandemia

Sou médico de posto de saúde de periferia em Curitiba. Trabalho no setor Cóvid desde o começo da pandemia em março, vi o pior da pandemia, internei várias pessoas por Covid, e vários pacientes e conhecidos morreram pela doença. Me pediram pra escrever o que eu, especialista em saúde pública, médico da linha de frente, trabalhador e defensor do SUS há mais de 15 anos, espero para 2021.

Tenho medo do que eu espero. Fico apreensivo e aterrorizado com tudo o que vejo hoje. Com a falta de comunicação efetiva dos líderes eleitos para com a população. Com a falta de um posicionamento mais rigoroso sobre aglomerações e abertura do comércio e de empresas não essenciais. Isso me faz ficar com medo e frustrado. Não vejo como vamos sair dessa situação que estamos e só vejo perspectivas de piora e agravamento.

As pessoas escutam no jornal conversas sobre vacinas, mas a realidade é que antes de 2022 não tem como uma pessoa de 30 a 50 anos, sem doenças, estar vacinada, nem em qualquer lugar da Europa, muito menos no Brasil.

Vejo que as farmácias vão continuar lucrando com os kits Covid, que vi a atendente passar para duas pessoas ontem como se fosse salvar elas da doença, e as pessoas saíram achando que estavam liberadas pras festas de família (ouvi esse casal falando sobre isso na fila) e também vi essas mesmas atendentes rindo dessas pessoas que compraram remédio pra vermes e piolho, sem efetividade nenhuma em nenhum estudo sério até agora. A isso se soma médicos que preferem intoxicar o fígado ou gerar arritmias nas pessoas a parar e admitir que não podem salvar ninguém, que não tem remédio pra essa pandemia, que estamos sim a mercê do vírus.

Exame RT-PCR no SUS: se for positivo, equipes ligam para o paciente
Exame RT-PCR no SUS: se for positivo, equipes ligam para o paciente.

Vamos continuar tendo altíssimo contágio no trabalho, pois as pessoas estão com sintomas leves e escondem dos colegas pra não perderem o emprego ou receber ameças do empregador. E o altíssimo nível de trabalhos informais e a uberização da sociedade vai acabar piorando e agravando essa situação. Esse entendimento que sintomas leves não são preocupantes e que conseguimos distinguir entre um resfriado e o coronavírus é difundido até em funcionários da saúde e de hospitais. E ainda estou vendo muito serviço médico que não afasta todos os moradores da mesma casa (os chamados contatos) da pessoa suspeita de coronavírus, inclusive ao coletar exame.

Devo continuar vendo pessoas idosas internadas e mortas, mesmo sem sair de casa, pois continuamos vendo festas e aglomerações dos adultos e jovens que trazem o vírus para casa.

Espero continuar vendo hospitais cheios e a doença se espelhando pela falta de um discurso constante, claro, de simples entendimento sobre evitar aglomerações, evitar sair de casa pra visitar parentes ou amigos, isolar-se ao menor sinal de sintoma, e o fechamento de serviços não essenciais obrigatoriamente sempre que o controle se perder e chegarmos perto de um desastre como estamos agora em Curitiba.

Vejo escolas continuarem fechadas. Contrariando as orientações da Unicef, piorando a desigualdade entre ricos e pobres, aumentando a vulnerabilidade e condenando uma geração a perder e nunca mais recuperar suas oportunidades. Enquanto isso, nenhuma escola estadual ou municipal passa por reformas estruturais para pensar em reabertura com segurança para alunos e professores.

O secretário de Estado da Saúde, Beto Preto, e a secretária municipal de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, apresentam números e informações sobre os casos em investigação do coronavírus. Crédito da foto: Geraldo Bubniak/AEN.

Resumindo, vejo em 2021 um ano que vai ser a continuação do pior que 2020 teve pra nos mostrar. O que mais me choca é que a população, mesmo vendo e sentindo tudo isso, ainda aceita ficar mansamente esperando uma vacina que ainda não temos previsão de chegada. Permissivamente perdendo direitos trabalhistas e sociais, e agora vemos o SUS sob ataque (não mais velado como nos últimos anos) mais aberto e sem enfrentamento. Nós brasileiros perdemos o potencial de deixar os nossos políticos eleitos com receio do que podemos fazer, nos invisibilizamos como cidadãos, não temos mais voz. E, por isso, não teremos mais direitos e vamos perder tudo, inclusive a luta contra o Covid-19.

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12 comentários em “Como médico, tenho medo de 2021”

  1. Interessante que ele faz previsão baseada no palpite já que não há situação semelhante para comparar. O mais sensato para um médico honesto é dizer: não sei.
    É fraco falar isso? Sim, mas é o honesto e sensato. Mais um que quer posar na foto.

  2. Não tem data, mas tem uma placa com o nome do secretário e embaixo está escrito em letras bastante legíveis “NOVO CORONAVÍRUS”.
    Então, certamente a foto não é de antes da pandemia. E, sim, o exemplo também tem que vir dos gestores.

      1. Já é durante a pandemia, pois os “crachás” sobre a mesa, com os nomes deles, já tem propaganda de enfrentamento do coronavírus.
        Pode ter sido em março ou ontem: continua errado.

      2. Não tem data, mas tem uma placa com o nome do secretário e embaixo está escrito em letras bastante legíveis “NOVO CORONAVÍRUS”.
        Então, certamente a foto não é de antes da pandemia. E, sim, o exemplo também tem que vir dos gestores.

      3. Se você olhar com atenção verá que há uma placa sobre a mesa com menção ao corona vírus, mas a vontade de servir de escudo pra pedras muito bem atiradas é maior, né?

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