O livro e seus leitores

Para quem precisa trabalhar o dia inteiro e volta para casa exausto, ler livros é uma atividade praticamente quimérica

No Dia Mundial do Livro, uma pergunta que vem à tona é: como converter não leitores em leitores? Afinal, sem leitor, para que serve um livro? Em “Encaixotando minha biblioteca: uma elegia e dez digressões”, o escritor argentino Alberto Manguel responde à primeira pergunta afirmando que “o único método comprovado de fazer nascer um leitor é um que ainda não foi descoberto, que eu saiba”.

Depois de chegar a essa conclusão, Manguel prossegue e aponta alguns caminhos possíveis para levá-los em direção aos livros. Um deles seria ter um interlocutor apaixonado por livros, pois “às vezes a experiência de um amigo, um pai, um professor, um bibliotecário, obviamente emocionados com a leitura de determinada página, pode inspirar, se não a imitação imediata, ao menos a curiosidade”.

O fato é que, como diz o escritor argentino, “a descoberta da arte da leitura é íntima, obscura, secreta, quase impossível de descrever” e teria a ver com os diferentes motivos pelos quais os livros atraem os leitores, os quais vão do prazer ao gozo, como diz Roland Barthes.

O texto que dá prazer, diz o pensador francês, é “aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura”. Mas há também o texto radical “que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem”.

Vale destacar que a leitura, sendo produto da cultura e não um privilégio natural, como afirma o sociólogo francês Pierre Bourdieu, requer sempre alguma dedicação e incentivo para que se possa vivê-la na sua plenitude. Portanto, para ser um leitor e um fruidor da leitura é preciso “dedicação, afinco e cumprimento de obrigações”. Só a prática obrigatória, conclui Bourdieu, pode conduzir ao verdadeiro deleite. De modo que “o prazer cultivado é irremediavelmente marcado pela impureza de suas origens”.

Manguel, ao contrário de Bourdieu, acredita que “a felicidade proporcionada pela leitura, como qualquer felicidade, não pode ser forçada”. O escritor argentino parece ter também alguma razão, pois há aqueles que afirmam terem descoberto o prazer da leitura sozinhos e sem “imposição” ou “exemplo” de ninguém; mas esses casos talvez sejam exceções. Graciliano Ramos, por exemplo, declarou, em seu autobiográfico Infância, que só “descobriu” os livros quando foi deixado sozinho em uma biblioteca. O escritor e professor italiano Eraldo Affinati, filho de iletrados, também descobriu por conta própria “o prazer da literatura comprando livros baratos em barracas e sebos”.

Já o escritor nascido em Trinidad e Tobago e vencedor do Nobel de Literatura em 2001, Vidiadhar Surajprasad Naipaul, confessou que, “embora gostasse de livros novos como objetos físicos, não era grande leitor. Gostava de um livro infantil barato, com páginas grossas das fábulas de Esopo, que tinha ganhado, gostava de um volume das histórias de Andersen que comprei para mim com dinheiro que me deram de aniversário. Mas com outros livros – especialmente aqueles de que meninos em idade escolar supostamente devem gostar – eu tinha problemas”.

Naipaul levanta outra questão importante: a dos livros como “objetos físicos”, que os leitores manuseiam, cheiram, admiram e que um dia, quem sabe, irão ler; ou aqueles que são apenas decorativos, ou seja, que se compra não para ler, mas para enfeitar prateleiras, e os caros, principalmente livros de arte, para colocar sobre a mesa da sala de visitas; esses talvez nunca sejam abertos.

Quem assiste a programas de decoração raramente se depara com uma casa que tenha uma biblioteca ou com uma família que precise e queira um espaço para guardar seus livros. O “coração” da casa não é mais a biblioteca, mas a cozinha em conceito aberto. Ou teriam os livros migrado para as bibliotecas digitais apenas?

O fato é que a leitura de livros não faz parte do cotidiano de muitos cidadãos, pois é uma atividade que requer tempo, que anda cada vez mais escasso diante da avalanche de informações telegráficas e imagéticas das redes sociais e da necessidade de “fazer dinheiro”. Para quem precisa trabalhar o dia inteiro e volta para casa exausto, ler livros é uma atividade praticamente quimérica. Para outros, os livros podem ser vistos como algo supérfluo; afinal, não precisam ler livros para ser influenciadores digitais (excetuando-se aqueles que trabalham com literatura e cultura) com milhões de seguidores; para assumir uma Secretária de Cultura ou o Ministério da Educação, nem mesmo para chegar à presidência da República.

Em comemoração à data, o governo parece ter decidido há pouco atirar para todos os lados ao liberar o apoio da Lei Rouanet para a publicação de um livro sobre “história” das armas no Brasil, ARMAS & DEFESA: A História das Armas do Brasil.

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