O dever da vacinação em crianças e adolescentes

Aspectos jurídicos e as consequências da negativa da vacina

Assunto polêmico em voga é a vacinação de crianças e adolescentes. Os responsáveis legais podem ser obrigados a vacinar crianças e adolescentes? Pode haver consequências jurídicas diante da recusa?

O cuidado com a saúde individual e coletiva teve um grande marco após a descoberta da imunização contra doenças infecciosas. É com base em estudos científicos de alto grau de evidência, que comprovam a segurança e a eficácia dos imunizantes, que órgãos responsáveis decidem pela sua oferta aos cidadãos.

No Brasil, a agência reguladora é a Anvisa, nos Estados Unidos é o FDA, no Reino Unido, o NICE. Todas elas adotam grau semelhante de rigorosidade técnica para análise e autorização de uso dos imunizantes.

Ou seja, para que a vacina esteja autorizada para ser distribuída à população, há um longo caminho, extremante técnico, criterioso, primando pela segurança e eficácia do imunizante na população.

Após a aprovação pela Anvisa, cabe ao Ministério da Saúde incorporá-la ao programa de imunização e estabelecer critérios para o seu fornecimento.

O Programa Nacional de Imunização do Brasil, instituído em 1975, é considerado um dos melhores do mundo, além de ser totalmente gratuito.

O Calendário Nacional de Vacinação no Brasil contempla 19 (dezenove) vacinas de rotina para crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e povos indígenas, e faz parte da Organização Mundial de Saúde.

O objetivo do PNI é atingir a cobertura vacinal de 100% (cem por cento), especialmente para crianças e adolescentes.

A imunização da população é de extrema importância para que haja a efetiva redução da circulação dos vírus, impedindo assim, a transmissão.

A temática da obrigatoriedade da vacinação de crianças e adolescentes não é algo apenas relacionado à pandemia causada pelo novo coronavírus. Infelizmente, o assunto é recorrente. O percentual de vacinação na população com menos de 18 anos têm estado muito abaixo do recomendado pelas autoridades sanitárias.

Prova disso, são doenças que antes estavam erradicadas, como poliomielite e sarampo, estarem voltando a ser diagnosticadas nos dias de hoje.

Sob o olhar do médico, é obrigatória a prescrição dos imunizantes que fazem parte do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde?

Frascos da vacina contra Covis para crianças têm a tampa com cor diferente.

A resposta é afirmativa. No capítulo das infrações e vedações, o Código de Ética Médica, estabelece:

É vedado ao médico:

Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

O Código de Ética Médica determina que é um DEVER do médico utilizar-se dos meios adequado e cientificamente comprovados para promover a saúde dos pacientes. Assim, deixar de prescrever as vacinas obrigatórias do PNI, além de expor o paciente a risco, é uma infração ética perante o Conselho Regional de Medicina.

Sabe-se que a autonomia do médico é a regra geral, todavia, em se tratando de questões de saúde pública e principalmente versando sobre menores de 18 (dezoito) anos, a atenção e o cuidado devem ser redobrados.

Isso não significa uma limitação à liberdade profissional. Ao contrário, é função social do médico de auxiliar aqueles que mais precisam, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade sanitária.

Além do dever do médico em prescrever os imunizantes, é OBRIGAÇÃO dos pais ou responsáveis permitir a imunização de quem está sob seus cuidados.

Por se tratar de interesse de vulnerável, o Estado tem o dever de proteção daqueles que estejam em situação de risco.

Inobstante a ideologia, crença ou motivação diversa, os menores de 18 (dezoito) anos não podem ser privados de receberem os imunizantes recomendados pelas autoridades sanitárias.

Esta proteção especial está prevista no artigo 227 da Constituição Federal (CF) e nos artigos 3°, 4°, 7° e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assim dispõe:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 11.  É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 14. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”

Foto: Pedro Ribas/SMCS

Aliado à previsão legal, a obrigatoriedade encontra amparo nos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente, especialmente nos cuidados de saúde.

Desta forma, em se tratando das vacinas previstas no PNI e não havendo contraindicação específica, por critério técnico médico, como seria o caso de um paciente oncológico, por exemplo, é dever do médico prescrever a vacina e obrigação dos responsáveis permitir a imunização.

Toda a sociedade pode auxiliar no cuidado e na proteção dos vulneráveis, cabendo aos médicos, enfermeiros, professores e familiares, quando cientes de que uma criança ou adolescentes está sendo privado de receber a imunização obrigatória, informar aos órgãos responsáveis, tais como Ministério Público, Conselho Tutelar ou Vara da Infância e Juventude.

Muito se fala de punição aos responsáveis que negam a vacina a quem os têm a guarda, que pode variar desde medidas restritivas e até criminais.

Atualmente, diversos Estados e Municípios estabeleceram como requisito para matrícula escolar a apresentação da carteira de vacinação em dia. No Estado do Paraná, a Lei 19.534/18 prevê a apresentação do documento. Temos aqui uma medida restritiva de direito em benefício de toda a comunidade escolar.

No âmbito administrativo, há também a previsão de multa pecuniária aos responsáveis, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente que varia de 03 a 20 salários mínimos.

Há também possibilidade de sanções na esfera penal. A recusa reiterada dos pais pode ser considerada crime de maus tratos, negligência, lesão corporal ou homicídio, caso haja algum dano à saúde da criança que poderia ter sido prevenido pelo imunizante, além de crime contra a saúde pública previsto no art. 269 do Código Penal.

Em casos extremos, após tentativas infrutíferas de convencimento dos responsáveis, permanecendo a situação de vulnerabilidade de risco à saúde dos menores de 18 anos, pode ser solicitada a perda do poder familiar.

Os responsáveis não podem dispor do direito à saúde das crianças e dos adolescentes. O poder familiar não permite colocar em risco a saúde dos filhos, inobstante as convicções filosóficas ou ideológicas de cada família.

Trata-se de um direito de toda a coletividade. Ao levar uma criança não vacinada para a escola, há o risco de contaminação coletiva, expondo a risco, pessoas inocentes.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima