Educação em casa em tempos de COVID-19

Famílias confinadas, precisando conviver o dia inteiro terão de contribuir com o ensino dos filhos

Vivemos um momento inédito na história do Brasil e, especialmente, na Educação. Dia 20 de março, sexta-feira, o Decreto n.º 4.230/2020 em seu artigo 8.º, determinou o início da quarentena nas escolas públicas e particulares do estado do Paraná por tempo indeterminado, como medida de enfrentamento e prevenção à COVID-19 (doença transmitida pelo coronavírus).

Para a rede pública estadual de ensino, o período de suspensão das aulas será a antecipação do recesso escolar de julho de 2020. Questionamos este posicionamento, dado que nem os estudantes, nem trabalhadores da educação podem usufruir de suas férias, passeando ou viajando.

Também porque conforme nota pública de 19/03/2020 da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), “as aulas poderão ser retomadas somente no segundo semestre. É que a OMS e o Ministério da Saúde estimam entre 20 e 40 semanas, após iniciado o surto epidêmico, o prazo para o fim dos contágios. […] Mas as estimativas indicam entre abril e maio o período de surto.

Caso as estimativas acima se concretizem, provavelmente as aulas e outras atividades no Brasil deverão ser retomadas entre agosto e setembro. E isso, compromete totalmente o calendário escolar.”

Deste modo, certamente, somente antecipar o recesso escolar de julho não será suficiente e o governo do estado terá que buscar uma alternativa para garantir a aprendizagem e o ano letivo dos seus quase 1,1 milhão de matriculados (Replica-SAE, 14/03/2020).

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 680/2020, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT/RS), que altera o artigo 24 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.º 9.694/1996), indicando a flexibilização dos 200 dias/800 horas letivas previstas para o território nacional, no caso de pandemias, doenças infectocontagiosas ou outras situações graves e emergenciais. Isto significa que, se aprovado o projeto, as escolas teriam que cumprir uma carga mínima obrigatória de dias letivos, a qual o PL não menciona. Acompanharemos a tramitação do projeto, suas emendas e, quem sabe, sua aprovação.

Assim, ainda sem nenhuma certeza do que o futuro nos reserva, parte das escolas privadas tomaram posição diferente da rede pública. A tendência da maior parte das escolas privadas tem sido enviar atividades para os seus estudantes realizá-las em casa, para que este período de reclusão seja considerado letivo e prescinda da reposição de aulas.

A situação é inusitada por vários motivos. Primeiro porque as famílias que estão em home office nunca ficaram tanto tempo juntas, sem sair de casa, sem outras distrações, além do mundo virtual. Será uma prova de fogo e de amor para todos.

Segundo, porque sobretudo as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1.º ao 5.º ano) precisarão de apoio para fazer as atividades. Desde o acesso aos materiais que virão virtualmente até a explicação e realização das lições. Ainda, é preciso enviar as tarefas para os professores que estão em casa, trabalhando muito e de forma nova, também para eles.

Terceiro, porque nem todas as famílias terão condições de dar este auxílio às crianças. Quando se está trabalhando remotamente (ou tentando trabalhar) oito horas diárias, quem ficará responsável por cuidar e dar atenção aos nossos parentes de maior idade e filhos? Quem cuidará das atividades de rotina de uma casa (limpar e preparar as refeições)? Todos nós teremos tempo hábil para estudar novamente e prestar este auxílio aos nossos filhos? Todos querem ou possuem as ferramentas, conhecimento e estratégias que uma escola/professor possui para ensinar? O desafio está posto.

Quarto ponto, e o mais preocupante: o que acontece se um dos familiares adoecer? O que acontece se nós mesmos adoecermos? As pessoas terão condições efetivas de trabalhar e estudar em isolamento? A resposta é não, de acordo com a Portaria n.º 454 de 20/03/2020, que declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus. O primeiro parágrafo do artigo 3.º considera que, caso a pessoa apresente os sintomas da COVID-19 confirmados por um médico, o atestado de 14 dias, inicialmente, se estende “às pessoas que residam no mesmo endereço”. O alarme está soando e consideramos todas as hipóteses, ou ao menos aquelas que por ora se apresentam. 

As escolas estão se valendo das mais diferentes estratégias. Há algumas com sistema próprio no qual publicarão as atividades semanalmente. Outras utilizarão aplicativos, e-mails e até as redes sociais, como o Facebook e o Instagram, para divulgar as lições. Os meios serão diversos, havendo também escolas que fornecerão o material impresso. Esta estratégia não parece ser muito viável, pois as escolas serão totalmente fechadas e, mesmo que não fossem, as pessoas devem ficar em casa e sair só em casos urgentes, como ir ao hospital ou comprar alimentos.

Penso que será um momento precioso de convívio e de ressignificação das relações familiares. Mesmo com dificuldades das mais diversas, haverá esforço de todos para que as crianças permaneçam aprendendo. De um lado, educadores empenhados para manter contato produtivo com os seus estudantes, buscando novas formas de facilitar e garantir a aprendizagem. De outro, famílias confinadas, precisando conviver o dia inteiro literalmente, produzir e ainda contribuir com o ensino dos filhos. Haja inteligência emocional!

Vale lembrar que o que viveremos será inédito sim, mas se distancia muito do chamado homeschooling. A experiência é diferenciada, porque não haverá tutoria ou professor contratado, nem desejo de ensinar o próprio filho ou filha – é uma contingência. Também porque os conteúdos serão aqueles encaminhados pela escola e não de escolha familiar. Por fim, a intencionalidade atual provém de uma emergência e é isenta de qualquer cunho ideológico, como a negação do sistema de ensino ou escolha religiosa.

Prefiro acreditar que este mês ou meses de isolamento nos ensinarão muito. A escala de mudança pode ser gigantesca, pois vai desde o âmbito das nossas casas até uma possível reconfiguração do modo de produção existente na maioria dos países. Repensaremos nossas vidas, nossas relações, nossas formas de ser solidários – ou não sermos -, veremos mais de perto o que se aprende e o que se ensina nas escolas, a infinidade de recursos que os professores apresentarão; enfim, teremos inúmeras possibilidades de nos tornarmos melhores.

Aproveitemos este tempo, que embora tenso, também é único. Que façamos o nosso melhor. E que possamos sair ilesos e fortalecidos.

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