Dia 3 – Vida loka

A professora sugere que eu desfralde Mogli. O destemor da juventude não cansa de me surpreender

– Filho, o que você tá fazendo?

– Batendo


A professora do exemplar de Mogli que temos em casa sugere que as mães “aproveitem” a quarentena para desfraldar as crianças. É só levar elas ao banheiro de meia em meia hora. O destemor da juventude não cansa de me surpreender.

Mesmo sem saber ler para tomar ciência do pedido da professora, Mogli decide que o traje da quarentena é naturista. Sendo ela uma legítima representante do birutismo, cuja principal manifestação é o peladismo, a ordem é não usar nada.

A exceção são as meias de elefante, que não servem mais, mas são de elefante e então precisam ser vestidas, sob pena de se ouvir gritos e choro.


Bebê número três quer mamadeira. Mas chora se fecho a geladeira sem tirar a melancia. Corto pedaços generosos no formato que o filho chama de Ovo de melancia. Ganho 30 minutos de um espetáculo que chamo de “o prazer de comer”, durante o qual a nenê pega os pedaços com as mãos gordinhas e põe na boca numa expressão de felicidade que não tem adjetivo que descreva adequadamente.


Penso que faz falta não ser novembro, quando podemos apelar livremente para o Papai Noel como autoridade moral. Tem o coelhinho da Páscoa, mas ele não tem a mesma potência civilizadora. E é possível que o estoque de chocolate seja consumido pelos adultos da casa, que não consomem nenhuma outra droga, nem álcool. Chocolate salva.


O número de vezes que a tv já exibiu a versão original de Dumbo sobe a todo momento. Mas a cena do Dumbo balançando na tromba da mãe presa continua a fazer vítimas.

Acho de um otimismo imenso as listas de filmes e seriados para se ver na quarentena. Se conseguir dormir, já to no lucro. Leio também, mas é um livro que já li no passado que é para poder ler sem prestar atenção e deixar a cabeça aceitar que é hora de desligar.


Já é noite. O dia passou rápido, mas em alguns momentos não passou rápido o suficiente. Mogli pediu repetidas vezes para sair. Expliquei muito confusamente que tem um bichinho, que é preciso ficar em casa.

– Tá bom

Meia hora depois, pediu para sair “lá fora” de novo. É uma espécie com memória curta.

A noite é quando se pode trabalhar. Cumprida a cota do dia, desligo tudo e deito, que é hora de pensar no vazamento do filtro da cozinha.

Bons sonhos.

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