Como um vírus, a política de Bolsonaro contamina

Vírus, como o Covid-19, e polarizações não encontram fronteiras. São fáceis de pegar e transmitir. Subestimar seus efeitos nocivos é permitir a instauração do caos. Em todos os casos, só o acesso à informação nos libertará

A polarização política alcança níveis inimagináveis em nosso país. Agora, uma pandemia que mata ou pode deixar sequelas ainda desconhecidas nas pessoas é apontada como mentira. Vista como “exagero” por pessoas que apoiam um presidente que, mesmo enquanto o mundo inteiro coloca em prática medidas de contenção para o novo coronavírus (Covid-19), estimula que seus apoiadores saiam às ruas em apoio ao seu governo e contra o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito no Brasil.

O presidente Jair Bolsonaro teve contato com pessoas infectadas nos últimos dias e, poucas horas depois, em apoio ao ato que ele mesmo convocou contra o STF (Supremo Tribunal Federal) no domingo (15), apertou mãos, pegou em celulares e ainda expôs toda a equipe que trabalha com ele à contaminação. Subiu para 17 o número de pessoas que estiveram com Bolsonaro em comitiva nos Estados Unidos e apresentaram resultado positivo para o Covid-19. De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 529 pessoas estão contaminadas no Brasil. Outras milhares podem estar. E os números só crescem a cada hora. A primeira morte ocorreu na terça-feira (17), em São Paulo; um homem de 62 anos que tinha diabetes e hipertensão, mas não constava na lista de casos suspeitos do Ministério. Outras quatro pessoas que estavam no mesmo hospital que a vítima estão sendo investigadas.

A atitude de Bolsonaro, mais uma vez, como um vírus, contamina. Adoece uma legião de ressentidos com o histórico de violências cometidas contra um país, cuja construção como nação teve por matéria-prima o sangue, o suor, as lágrimas, a corrupção e a dor da escravidão e da opressão. Um vírus que parece ser o elemento danoso condensado da intolerância e do ressentimento que contamina o ar. Do Brasil e do mundo. Uma pandemia cuja nocividade é duvidada por gente com mágoa por tanto e visão para pouco. Mas que pode ser o convite necessário para entender que estamos todos conectados e que exercer a empatia pode ser a condição para sobrevivermos.

Mais de 478 mil pessoas podem morrer no Brasil por conta do Covid-19, segundo uma projeção preliminar divulgada segunda-feira (16) pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.

Mitigar os riscos que nos assombram é possível com a adoção de medidas individuais e coletivas responsáveis para evitar mais transmissão, como evitar sair de casa e ter contato com integrantes dos grupos de risco (idosos, diabéticos, pessoas com hipertensão e problemas renais e respiratórios crônicos, por exemplo), lavar bem as mãos e usar álcool em gel. O superfaturamento desse produto no mercado, a falta de renda e água em muitas cidades e comunidades e a dificuldade que grande parcela da sociedade encontra para evitar aglomerações – porque precisa chegar ao trabalho a qualquer custo – dificultam o controle do problema.

Ao ignorar as recomendações médicas e deixar o isolamento para apoiar um ato antidemocrático, Bolsonaro, mais uma vez, tenta disfarçar sua incompetência para governar por meio do estímulo a uma nova guerra de narrativas entre a população.

Hannah Arendt,

Desprezar os fatos, desacreditar a ciência e ridicularizar a imprensa são práticas de governos totalitários. Colocar a sociedade em conflito também. No livro Origens do Totalitarismo, a filósofa Hannah Arendt lembra que “a verdade ocupa posição instável no mundo porque são as opiniões – o que pensam as multidões – que costumam predominar em relação à verdade”. O coronavírus talvez seja a personificação do desmonte que um vírus – seja o da pandemia, o da intolerância ou das “opiniões” que ignoram o que mostra a história e prova a ciência – pode causar ao mundo inteiro.

Vírus e polarizações não encontram fronteiras, são fáceis de pegar e de transmitir. Subestimar seus efeitos nocivos é permitir a instauração do caos. Tudo é questão de escolha. Em todos os casos, só o acesso à informação nos libertará.

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