Como as dark kitchens e a falta de regulamentação estão incomodando os vizinhos

Tais cozinhas industriais tendam a escolher bairros residenciais pelo valor mais baixo de aluguel, além de estarem mais próximas do público consumidor de comida por delivery

Grande tendência enquanto modelo de negócio no ramo da alimentação em todo o mundo, as dark kitchens – também conhecidas como ghost kitchens ou cloud kitchens – ganham força enquanto atividade econômica, se destacando dentro do cenário dos grandes centros urbanos. Mas afinal, quais os requisitos e resultados jurídicos da operação das dark kitchens?

De início, a ideia é bastante simples: criar um estabelecimento de manipulação e preparo de gêneros alimentícios apenas para a retirada e serviços de delivery. As razões para o empreendedor optar por um modelo de negócio dentro do modelo de dark kitchens são diversos, mas se reportam sobretudo à contenção de custos.

Restaurantes clássicos dependem, primeiramente, de um espaço físico para servir aos clientes e assim começam as contas. O espaço deve ser atrativo e bem localizado. A operação do estabelecimento, seu lucro e escalabilidade dependem, para além do ticket médio de consumo, do número de clientes que o restaurante tem capacidade de atender. Mais mesas demandam um espaço e mais equipe de cozinha e salão. Custos altos e riscos altos.

Ainda que diversas questões complexas permaneçam, como mão de obra qualificada e logística de cozinha e de entrega, inegável que as dark kitchens possuem um funcionamento mais enxuto, barato e potencialmente mais eficiente que os restaurantes tradicionais.

Neste sentido, observamos dois modelos prementes para a operação de dark kitchens: o primeiro, mais simples, são as pessoas que utilizam as cozinhas de imóveis residenciais – não raramente dos imóveis em que residem – para a produção e venda dos alimentos. A outra, mais profissional, são os condomínios de cozinhas, grandes espaços dedicados onde diversos restaurantes compartilham o ambiente para o desenvolvimento das suas atividades. Ambos os modelos possuem implicações jurídicas diretas e frontais.

No primeiro modelo, com as cozinhas domésticas, observamos em quase todos os casos a ausência dos alvarás e certificados sanitários para a operação. Vale notar que embora se trate de uma atividade que beira o artesanal, é economicamente organizada, uma vez que oferecida com recorrência dentro de um mercado consumo. Deste modo, figura o responsável pelo empreendimento como “fornecedor” de acordo com as regras do Código de Defesa do Consumidor, mesmo quando desempenhada por uma única pessoa física. Existe, portanto, uma margem substantiva de irregularidade jurídica nas atividades com esta característica.

No segundo modelo, de cozinhas compartilhadas, a questão é bastante mais complexa. Embora os condomínios de restaurante tendam a possuir os alvarás e licenças sanitárias, diferentemente das cozinhas domésticas, sua existência cria um quadro regulatório curioso: embora as cozinhas que ali operam sejam negócios singulares, sua atuação em conjunto – dez cozinhas em um mesmo espaço, por exemplo – caracterizariam uma atividade de nível industrial.

Diversas situações de conflito originadas por este quadro vêm se observando nos grandes centros urbanos, sobretudo com o embate entre moradores e dark kitchens situadas em áreas residenciais. Tais cozinhas industriais tendam a escolher bairros residenciais pelo valor mais baixo de aluguel, além de estarem mais próximas do público consumidor de comida por delivery.

A instalação de dark kitchens, com sua decorrente operação em grande escala, em bairros residenciais cria inúmeros efeitos negativos aos moradores locais, uma vez estes que precisam conviver com os ônus da atividade econômica, que vão desde o cheiro e gordura decorrentes dos preparos dos alimentos até o grande fluxo de motoboys que realizam as entregas.

Vale notar que a aparente legalidade das operações das dark kitchens industriais dentro de bairros residenciais em muito decorre da inexistência de regulamentações específicas para atividades desta natureza. Na prática, aplicam-se regras de cozinhas singulares para cozinhas fabris – regras estas que tendem a não observar todas as externalidades e efeitos de operações de grande porte.

Tal legalidade, contudo, não afasta a responsabilidade civil dos condomínios de cozinhas, que podem ser acionadas judicialmente para cessar suas operações e indenizar eventuais danos causados; além de avaliar o incômodo, tais processos podem gerar embates patrimoniais, decorrentes de eventuais da diminuição da capacidade de fruição do imóvel, como a perda de inquilinos, até sua efetiva desvalorização face ao mercado, por exemplo.

Naturalmente o ente público não pode opor óbices débeis contra a atividade econômica, que gera valor e empregos, sobretudo quando esta decorre da inovação. As dark kitchens são uma forma ímpar de releitura de uma atividade histórica, como os restaurantes, oportunizando empreendimentos de toda forma. Em outra mão, deve regular e regulamentar a questão de modo urgente, sob o risco de o quadro atual gerar medidas judiciais que efetivamente paralisarão estas atividades, gerando perdas substantivas de investimento, mas não sem antes gerar danos contra terceiros.

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