Como ajudar quem está sofrendo

Pouca gente vai discordar que 2020 está sendo um ano de muita dor. Diante disso, acho importante repensar como enfrentamos o sofrimento

Acho que pouca gente vai discordar que 2020 está sendo um ano de muita dor. Muitas famílias foram tocadas pela tragédia da doença e da morte prematura de alguém querido. Outras tantas estão enfrentando o desemprego, a falta de dinheiro, o medo do futuro e do desconhecido.

Diante disso, acho importante repensar como enfrentamos o sofrimento, ainda mais numa era da felicidade plastificada das redes sociais. A dor é parte da vida. Quanto mais abençoados pelo amor, pela amizade, mais sofremos com a ausência daqueles que queremos bem.

Mesmo quando um relacionamento é doloroso, desafiador, a morte é dura. É o fim das possibilidades de redenção.

Nossa dificuldade em enfrentar o sofrimento, seja o nosso, seja o do outro, vem muito daí: de como a morte é definitiva, sem solução, sem esperança. A vida precisa da esperança, da expectativa do amanhã.

Quando minha mãe morreu lembro de ter ouvido de muita gente que era importante seguir em frente, sorrir, “porque ela não ia querer te ver triste”. As pessoas gostam de obviedades e de máximas do pensamento positivo quando querem consolar alguém. Tem ainda aquela história de “vibração negativa atrai vibração negativa”.

É todo um arsenal de lugares comuns e posts de Instagram que tentam dar incutir algo de bom naquilo que definitivamente é ruim.

Na mesma ocasião também tive a sorte de um encontrar um livro, “O ano do pensamento mágico”, de Joan Didion. Didion, que é escritora, roteirista, viveu o que pode muito bem ser descrito como pesadelo: viu o marido cair morto sobre o prato do jantar enquanto acompanhava a filha no calvário das condições médicas inexplicáveis e mortais.

Como intelectual que é, Didion passou a tentar entender o que aconteceu. Quando o marido parou de responder a ela no meio de uma conversa, já estava morto? Ou quando os paramédicos invadiram o apartamento ele ainda estava ali?

A obstinação de Didion em saber o que aconteceu até o último detalhe ressonou forte aqui: o fato (a morte) é assustador, mas mais assustadora ainda é a ignorância. Tentar saber é tentar entender e encontrar um caminho em frente nessa nova realidade.

Didion também resolve estudar o luto. Descobre sabedoria nas práticas antigas, que receitavam comida e um período de convalescência. Estar enlutada, descobre, é como estar doente. O corpo dói, o coração falha. As estatísticas mostram que cônjuges sofrem mais problemas cardíacos no período logo após a morte do companheiro ou companheira.

É também um estado de loucura. Nada parece estar no lugar, nem ter lugar certo.

O que aprendi com ela e com as minhas próprias dores é que sofrer é uma experiência que precisa ser vivida. É um processo. Precisamos viver esse período de sofrimento, de pensamento mágico (Didion não quer doar as roupas do marido para o caso dele precisar. Vem daí o título do livro). Lá na frente esse processo entra no estágio de dormência, que reaparece nas circunstâncias menos previsíveis.

Nada disso é instagramável. No entanto, também nem sempre é um estado consistente de tristeza. Que está triste às vezes ri, sente prazer, esquece. Outras horas quer falar sobre a dor ou sobre que morreu. Quer lembrar daquela história engraçada, das idiossincrasias.

Quem quer estar ao lado de quem sofre não precisa fazer muita coisa. Estar presente já é muito. O mundo do pensamento positivo tende a isolar a tristeza. Então quando estamos sofrendo, também nos vemos colocados de lado, os outros desconfortáveis quando estamos presentes, como se fossemos uma bomba prestes a explodir em lágrimas.

Quem, ao contrário de relegar o enlutado a solidão, se faz presente, faz muito. Lembro vividamente da amiga que ligou pra me contar uma boa notícia da vida dela uns dias após a morte da minha mãe, do bolo de chocolate que a vizinha fez para nós quando meu pai morreu, outra amiga que me convidou para uma festa, mesmo sabendo que eu não iria, a presença constante e silenciosa do meu marido quando não queria conversar, mas também não queria ficar sozinha.

Didion também lista ser cuidada pelos amigos. Um sobrinho enche o freezer de comida pronta congelada. Casais de amigos se revezam nos convites para jantar. Outro toma conta das providências práticas da vida de viúva.

Nada disso exige discursos refinados. Na realidade, pouco se precisa dizer a quem sofre. Às vezes é preciso ouvir. Há quem processe a perda como quem se apaixona: quer falar sobre aquilo o tempo todo (o que é difícil, porque as pessoas tendem a querer evitar que você fale). Saiba o seguinte: ninguém espera que você saiba a palavra mágica que irá curar a dor alheia. Mas se ouvir já ajuda muito.

Por fim, luto não tem data e hora para acabar. Talvez você já esteja cansado de ouvir, de ser lembrado da perda e do sofrimento do outro. Se é o caso, tudo bem. Só não esqueça que você pode deixar de lado o luto alheio, mas o enlutado terá uma vida inteira pela frente numa nova circunstância. Talvez viver um pouco de desconforto te ajude a, no futuro, viver a dor que a vida te reservar.

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “Como ajudar quem está sofrendo”

  1. Letícia Fernandes

    Esse ano está bem difícil. Concordo plenamente . Tenho tido muitas dificuldades e as distância e a pior delas . Não sou de Curitiba , e isso faz com que fica maais difícil.

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