A quarentena continua. E agora EAD?

O trabalho tem sido quase que diuturno, mas o retorno depende muito mais das famílias do que das professoras

Completamos oficialmente dois meses de afastamento das atividades escolares no Paraná. O decreto 4.320 do dia 20 de março tornou as aulas suspensas por tempo indeterminado. Hoje ainda falei para o filho: – Quarta-feira faz 80 dias que você não vai para escola. Do alto dos seus 7 anos, disse: – Acho que vai dar 100 dias, mãe. Pensei que seria bom se fossem apenas mais 20 dias. O que se apresenta não nos dá esta esperança.

O Brasil é o único país que em plena e franca subida da curva da covid-19 flexibiliza a quarentena. Cada vez mais pessoas agem como se estivessem de férias. Apesar da lei do Estado e de Curitiba, saem sem máscara. Outras fazem fila em frente aos shoppings. A tendência é vermos esta curva crescer em direção a sermos o primeiro país da lista de contaminados. Já estamos ostentando o 2.º lugar.

Em meio a este quadro, as aulas a distância, ou mais apropriadamente, remotas, continuam a todo vapor. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental as crianças precisam de apoio para realizar as atividades ofertadas. Estas atividades, em geral, tentam reproduzir o que seria feito em sala de aula. Percebo que não foi a escola que se adaptou à casa, mas é o contrário que acontece, forçando uma situação que muitas vezes não é possível para a criança realizar sem troca com o colega, sem estímulo do espaço escolar, sem o encaminhamento da professora.

Por outro lado, o esforço das professoras tem sido imenso. Embora as novas tecnologias na Educação estejam sendo discutidas há pelo menos duas décadas, pouco se tornou real nas escolas. De repente, em meio a uma doença letal que não nos permite mais o contato social, educadores se viram obrigados a lidar com a tecnologia educacional e fazê-la acontecer sem a presença deles. É um desafio muito grande e desgastante.

Ocorre que para crianças isto é o menos importante. Para elas, sobretudo falta o afeto. Quando perguntadas do que mais sentem falta, respondem que é dos amigos. Aqui em casa, os momentos mais esperados são os dois encontros on-line semanais com a professora e colegas. Uma vez esqueci o encontro do filho e a lamúria foi grande por “perder o que tem de mais importante da escola agora”.

Como tratar então esta afetividade de longe? Como os professores poderiam se aproximar mais das crianças? O que realmente importa em um feedback neste momento?

Acompanho o esforço sobre-humano de professoras dos anos iniciais de uma rede de colégios. O que vejo é um trabalho gigantesco de pesquisa e de aprofundamento no uso das tecnologias. O trabalho tem sido quase que diuturno, mas o retorno depende muito mais das famílias do que das professoras. Por isso, entristece ouvir alguns áudios que circulam em grupos de Whatsapp demonizando os professores. Já ouvi pai dizendo que vai tirar o filho da escola, que vai deixá-lo sozinho fazendo o que conseguir. E que se não aprender nada, não é problema dele. Chocante ouvir isto de um pai.

Realmente, a maior parte das mães e pais não é competente para a educação escolar, nem precisa ser. As dificuldades diárias com a pandemia (home office, desemprego ou diminuição de salário, qualidade ou acesso à internet e aos dispositivos tecnológicos etc.) não nos autorizam a imputar à professora ou à criança uma culpa pelo caos. Parece que não está claro que o que vivemos é inédito, que todos estão um tanto sem rumo desde como fazer, quanto aonde vamos chegar. Não sabemos.

E sem contar que estou falando de condições ideais de uma classe média que dispõe de recursos para que a criança acompanhe as aulas, sejam da rede pública ou privada. O que está em questão aqui é a compreensão do grau de adaptação para todos, familiares, crianças e professores.

A Educação a Distância tem muitos limites para a Educação Básica, tanto que no Ensino Fundamental só é autorizada em situações emergenciais. As quais nem o Decreto N.º 9057/2017, que regulamentou o art. 32 da LDB, sobre EAD no Ensino Fundamental, dá conta. Pandemias e afins não estão listados no decreto. Isto significa que estamos em excepcionalidade total e, sem unir as forças, as crianças serão as mais prejudicadas.

Gosto muito da fala do psicopedagogo Francesco Tonucci. Sua forma de ver a casa como espaço educativo poderia ser mais bem aproveitada pelos professores. Mas não é simples. Livros didáticos devem ser completados, as famílias exigem. Planos de ensino também, afinal tem um livro que conversa com a BNCC, que recomenda o desenvolvimento de habilidades mínimas para aquele ano letivo.

No entanto, temos brechas, sempre temos. O conteúdo obrigatório de medidas de capacidade, por exemplo, pode ser desenvolvido a partir de um olhar sobre a quantidade de arroz, feijão, água etc. necessários para fazer o almoço da família durante uma semana. O sistema monetário poderia vir na mesma linha, das despesas da casa. Quem se preocupa em se “expor” para a professora, mostrando seus gastos, por exemplo, pode ficar tranquilo. Nenhuma professora está interessada, não mesmo. O olhar é para o que a criança compreendeu, relacionou, sistematizou.

É mais um desafio para as professoras: relacionar os conteúdos com a casa como espaço de aprendizagem. Mas sim, já estamos acostumadas, os desafios da profissão são inatos a ela, sempre os temos, e isto nos move. 

Ainda teremos um bom tempo de isolamento social, e o retorno será gradativo. Temos ainda tempo para criarmos mais momentos de afetividade, de relação escola-casa, do entendimento que a casa não é sala de aula, mas que a sala de aula é agora a nossa casa, seus objetos, plantas, pets e esquisitices que são só nossas, de cada uma das famílias.

Os encaminhamentos metodológicos chegam, sim, via plataformas virtuais, Whatsapp, vídeos-aula. Mas a realização delas pode ser o mais próximo possível do real, do concreto da vida, do que realmente importa neste momento: dar suporte às nossas crianças que têm pela frente um futuro muito incerto e diferente de tudo o que vivemos. Sejamos este apoio, este impulso. Esta pode ser a nossa maior “reinvenção.”

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