O bolsonarismo saiu das redes sociais, e quer se instalar no gabinete da reitoria da UFPR. Mas para não perder de todo o hábito, é nelas que a campanha dos professores Horácio Tertuliano e Ana Paula Cherobim, pulsa. Esqueçam, portanto, as propostas vagas, que parecem escritas pelo mesmo estagiário que formulou o programa de governo de Jair Bolsonaro, em 2018. É no mundo bizarro dos grupos de WhatsApp, bem ao gosto dos bolsonaristas, que a Chapa 1 mostre em que ela é, realmente, forte.
Nos últimos dias circulou, por esses grupos, um documento intitulado “Não ao autoritarismo na universidade! Por uma UFPR Livre, Inovadora, Plural e realmente democrática”. Trata-se, na aparência, de um manifesto de apoio à candidatura da Chapa 1 assinado por “Estudantes e Professores de Direita”. Digo “na aparência”, porque provavelmente o documento foi discutido (passe o exagero) e escrito dentro do próprio grupo, e não por “apoiadores” anônimos.
Pouco importa: na linguagem rasteira do bolsonarismo mais medíocre, o texto desfila mentiras, ataca os adversários e seus eleitores e, o mais importante, desqualifica a Universidade que os professores pretendem administrar. De acordo com os candidatos da Chapa 1, ou seus supostos apoiadores, a UFPR está submetida a uma “escravidão ideológica”, seus discentes são “lobotomizados”, “vítimas de lavagem cerebral, de manipulação, de uma doutrinação rasteira que turva a percepção do mundo” com as “lentes viciadas da ideologia”.
Segundo o documento, que ignora solenemente que a UFPR já formou gerações de profissionais atuando nas mais diferentes áreas, da Universidade não saem senão “militantes”, uma “massa de manobra adestrada e servil”. Os responsáveis por esse estado de coisas? Uma “oligarquia”, em aliança com “grupos identitários facciosos e partidos de extrema-esquerda que visam o poder. Tudo isso escrito com o uso exagerado dos negritos, a reforçar o tom alarmista.
O manifesto encerra conclamando por uma “UFPR de EXCELÊNCIA, sem amarras político-partidárias, sem agendas ideológicas paralelas, sem cumplicidade com os extremismos antidemocráticos!”. Uma reivindicação feita, justamente, por uma chapa identificada com o extremismo de direita, autoritário; com um governo mancomunado com o crime organizado, as milícias cariocas; e com uma clara, transparente, “agenda ideológica paralela”.
Não por acaso nem coincidência, os exemplos de que o texto lança mão como evidências dessa “lobotomização”, são manifestações de grupos pertencentes às chamadas “minorias” – negros, feministas, LGBTs. Tudo muito coerente com uma chapa que apoia um presidente homofóbico, e racista, e um governo que está a condenar à morte comunidades indígenas e quilombolas. A Universidade é pública, desde que o público seja, preferencialmente, branco, hetero e abastado.
Nada também a estranhar em uma chapa cujos candidatos acreditam que cotistas comprometem a qualidade da Universidade, apesar das muitas pesquisas que mostram o contrário; integração universitária é aumentar a oferta de horários nas linhas intercampi; e para quem políticas de permanência se resumem a ter bancos nos campi onde estudantes possam se reunir pra tocar violão.
Reitor não, interventor
Uma breve explicação, para os leitores menos familiarizados com o funcionamento das universidades e a eleição de seus reitores. Pela lei, aquilo que chamamos de eleição é, na verdade, uma consulta pública feita à comunidade acadêmica. O resultado dessa consulta, a chamada “lista tríplice”, é enviada ao presidente da República, responsável pela nomeação do novo reitor.
Tradicionalmente, desde que a consulta foi instituída, em 1996, todos os presidentes nomearam os nomes mais votados pela comunidade acadêmica. Trata-se não apenas de respeitar a autonomia universitária – autonomia, aliás, que o manifesto também critica, reverberando os ataques do ex-ministro Abraham Weintraub –, mas as regras mais elementares da democracia. Na UFPR, em todas as eleições, as chapas concorrentes sempre assumiram o compromisso de retirarem suas candidaturas caso derrotadas.
Além de atacar e desqualificar a Universidade e seu atual reitor, o professor Ricardo Marcelo (o texto chega a acusá-lo de querer impor um “pensamento único”, de “perfil positivista-marxista e impositivamente ateu”, e desconhecer “teorias científicas sofisticadas, como a do Design Inteligente”, superior às “ilógicas teses ateístas”, referindo-se, suponho, ao evolucionismo), o manifesto a favor de uma “UFPR forte e imparcial” pretende ser, também, uma defesa ideológica de um projeto pessoal e político de poder a qualquer custo.
Em um tour de force argumentativo, o texto pretende emprestar legitimidade à decisão dos candidatos bolsonaristas, de não renunciarem a nomeação, mesmo que derrotados nas urnas. A alegação, falaciosa, é que a decisão de aceitarem a nomeação sem terem obtido o voto da maioria, é que ela é democrática porque respeita a Constituição, e porque Bolsonaro, eleito democraticamente, tem apoio popular.
Dito de outra forma, para a entidade anônima e coletivista (“Professores e estudantes de direita”) que assina o manifesto, a democracia confere poderes absolutos ao presidente, que age, porque encarna, uma “vontade soberana”, a do “povo” ou da “pátria”. Uma concepção de democracia coerente com o populismo autoritário de Bolsonaro. Mas que contraria aquilo que é o cerne das democracias modernas e liberais, que são representativas e republicanas, entre outras coisas, para limitar aspirações e desejos de poder absoluto.
O aparelhamento das universidades, uma realidade em curso, com Bolsonaro preterindo nomes escolhidos pela comunidade acadêmica e nomeando reitores alinhados ideologicamente com o governo, é parte fundamental de projetos autoritários como os de Viktor Orbán, na Hungria, e Nicolás Maduro, na Venezuela. Nos dois países, seus líderes fecham centros de pesquisa, perseguem e expulsam professores e estudantes, desqualificam evidências, estudos acadêmicos e áreas inteiras do saber.
Além, claro, de nomear reitores identificados com o regime.
O que tampouco é novidade. Se na Alemanha dos anos de 1930, mesmo alguém com a estatura intelectual de um Heidegger, se deixou seduzir pelo poder e aceitou ser reitor nomeado pelo Estado nazista, seria de uma ingenuidade imperdoável esperar algo diferente de gente minúscula, além de rastejar, subserviente, e servir a um governo de milicianos. A questão agora, o que importa, é nossa atitude frente à baixeza moral do bolsonarismo que toma de assalto a Universidade.
Seremos e faremos uma oposição como ela deve ser, ou seguiremos preocupados e empenhados exclusivamente em nos adaptarmos às exigências dos órgãos de avaliação, como se tudo estivesse dentro da normalidade, sob o pretexto de que manter a normalidade é uma forma de resistência?
Señor Clóvis Gruner.
En Venezuela los rectores de las universidades son electos por votación directa y secreta de los profesores, representantes de los estudiantes y representantes de los egresados. No los designa el presidente de la república.
Su afirmación de que “seus líderes fecham centros de pesquisa, perseguem e expulsam professores e estudantes, desqualificam evidências, estudos acadêmicos e áreas inteiras do saber.” no se diferencia de las campañas de calumnias y desinformación que la derecha realiza contra Venezuela desde hace más de 20 años.
Pretender refutar a la derecha con inexactitudes y falsedades conduce a una segura derrota.
PS. He sido docente universitario y pro rector de la sede Ciudad del Este de la Universidad Católica en Paraguay.
Verdade, está tudo bem na Venezuela e eu só estou aqui a engrossar a campanha de difamação contra Maduro, provavelmente pago pela CIA:
https://www.dw.com/es/universidades-en-venezuela-se-puede-ser-cr%C3%ADtico-pero-la-amenaza-est%C3%A1-latente/a-52560559
https://www.dw.com/es/venezuela-y-la-resistencia-acad%C3%A9mica/a-48852395
É lamentável tanta ignorância e dogmatismo barato dentro da nossa UFPR. Tratar estes imbecis bolsonaristas com respeito esta ficando quase impossível!
Odeio ser pessimista mas o Presidente Jair Miliciano Bolsonaro já deu mostras q não se importa com a democracia interna das universidades e seus nomeados só querem saber do cargo para ajudar os parcas da direita…e tudo se caminha para um interventor na UFPR….estou torcendo para errad
Parei de ler quando colocam Orbán e Maduro no mesmo espectro. Não dá. Pecam por praticar o que estão criticando. Por favor. Num contexto desses que a Venezuela enfrenta é inaceitável esse “desargumento” de direita!
Que pena, vinha vindo tão bem.
O reitor Ricardo está subestimando a concorrência. O material produzido pelos bolsonaristas foi melhor formulado. Espero que os eleitores tenham consciência de classe. E no final eles ainda podem não retirar a chapa da lista tríplice e serem escolhidos pelo presidente quase como interventores. Se ganharem, a comunidade acadêmica ficará desacreditada.