Repasses do Paraná a entidades crescem 200% em cinco anos

Falta de informações especializadas dificulta acompanhamento dos convênios firmados

A falta de informações disponibilizadas por secretarias estaduais do Paraná dificulta a fiscalização de convênios fechados com entidades sem fins lucrativos. Essas parcerias – eixos fundamentais para a execução de políticas públicas em diferentes áreas sociais – cresceram vertiginosamente no Estado e atingiram um patamar de repasse que supera em mais de 200% o registrado cinco anos atrás.

Dados filtrados do Sistema Integrado de Finanças Públicas do Estado do Paraná (Siaf) mostram que em 2016 o Executivo transferiu às instituições sem fins lucrativos, antes chamadas de ONGs, cerca de R$ 240,12 milhões. No ano passado, a movimentação quase triplicou: foram R$ 724 milhões entre janeiro e dezembro.

Na contramão do avanço das cooperações, ainda falta transparência básica para facilitar o acompanhamento dos contratos, que, desde 2014, operam sob legislação específica em todo o país.

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), discutido no Congresso Nacional, criou novo regime jurídico para aperfeiçoar a relação das entidades com o poder público ao mesmo tempo em prometeu mais clareza à gestão dos recursos.

Para isso, estabeleceu obrigatoriedades em diferentes frentes. Para fiscalização, a criação de comissões individuais de acompanhamento dos programas e a designação de servidores para controlar a execução das atividades “em tempo hábil e de modo eficaz”. À sociedade, deveriam ser expostas, além da movimentação das verbas, as relações dos chamamentos públicos de contratação das organizações e também, nos sites competentes, de todas as parecerias celebradas até seis meses após o fim dos convênios

No Paraná, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), que alimenta a base de dados do Siaf, afirmou que “a publicação das parcerias é de responsabilidade de cada órgão da administração estadual responsável pelo contrato ou convênio firmado”.

Mas em buscas feitas pelo Plural, nem todas estas informações publicáveis aparecem dadas de forma satisfatória pelas secretarias de Estado que movimentam repasses. A exceção fica com as secretarias da Segurança Pública (Sesp), que mantém um sistema de divulgação próprio e de acesso irrestrito ao cidadão, e da Educação e Esporte (Seed), com relação disposta no site.

Na contramão, a reportagem não encontrou o mesmo conteúdo em pastas como a do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest) e da Saúde (Sesa) – a qual, somente este ano, já fez mais de 30 transferências a instituições privadas sem fins lucrativos, totalizando 132,7 milhões.

A Sedest não retornou explicando o motivo da falta de publicidade dos atos, e a Sesa se limitou a responder que não seria possível atender dentro do prazo solicitado, “por necessitar informações mais detalhadas e levantamento de dados em conjunto com a assessoria jurídica da Secretaria”. O pedido foi encaminhado às 9h38 desta quinta-feira (13), com limite de resposta para as 15h e possível prorrogação até às 18h.

Pontas soltas

A dificuldade está justamente em unir as informações. Sem a relação disponível das entidades com termos de colaboração ou fomento ativos, é praticamente impossível saber quais são os convênios de cada pasta, já que nenhuma das pesquisas feitas no Portal da Transparência é completa o suficiente.

No módulo de consulta detalhada de gastos públicos, o Siaf entrega o total das verbas repassadas às organizações por cada um dos órgãos, mas não discrimina a entidade – a mesma limitação encontrada na planilha completa de gastos disponível para download. Também é possível buscar pagamentos diretamente por instituição, mas, para isso, é preciso saber qual entidade é conveniada à qual pasta.

Já a busca específica no módulo de convênios não se encontra atualizada. Exemplo disso é que o resultado de busca por este caminho aparece zerado quando a unidade selecionada é a Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf). No entanto, sabe-se que, pelo menos no ano passado, a pasta fez destinou 2,67 milhões à Associação para a Vida e Solidariedade (Avis) – entidade conveniada e no centro de um escândalo de desvio de verba pública do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), mantido no Paraná pelo Governo Federal com contrapartida do Executivo Estadual.

Do caixa do programa foram retirados R$580 mil pelo ex-presidente da associação, mais que dois terços do que ainda havia em conta. O rombo ameaçou a continuidades das ações de proteção prestadas, e já fez o PPCAAM acumular dívidas dos aluguéis pagos para abrigo das vítimas e de seus familiares.

A Sejuf é outra secretaria de governo em que não foram encontrados a relação atualizada de entidades conveniadas nem os termos de colaboração e fomento em validade. O site tem um espaço específico, mas conteúdo não aparece completo. Já a Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab) completou o site após contato da reportagem, mas a página não traz a relação dos convênios e, sim, direciona para o Portal da Transparência.

Transparência x autonomia

Apesar de o Marco Regulatório prever regras de transparência, o controle do uso dos recursos públicos por parte das entidades sem fins lucrativos segue o rito padrão de prestação de contas. Isso significa que o Estado não necessariamente acompanha a aplicação das verbas repassadas em ritmo constante – é preciso estabelecer um período para que a associação detalhe onde e como aplicou o recurso.

De acordo com Rodrigo Kanayama, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a prática é coerente e ajuda na fluidez das atividades prestadas pelo terceiro setor.

“Se houver excesso de controle, no sentido de os órgãos de controle poderem interferir na aplicação dessa verba, pode haver um engessamento das atividades”, pondera o especialista. “Um controle permanente prévio e o tempo todo sob o gestor acaba prejudicando o funcionamento da organização porque o sujeito acaba ficando preocupado de ter que ficar o tempo todo sob fiscalização”.

No entanto, embora a administração pública não tenha o encargo de acompanhar passo a passo a aplicação dos repasses, o Estado poderia se preocupar em estudar mecanismos mais eficientes de controle – que evitassem desfalques como o que afetou as ações do PPCAAM no Paraná. “Poderia talvez ter um sistema que fizessem um acompanhamento melhor, mas que não seja capaz de constranger o gestor da entidade. Algumas atividades hoje são essenciais do terceiro setor e é importante que haja essa distribuição com equilíbrio”, completa Kanayama.

Outro lado

O governo do Paraná enviou uma nota sobre o assunto após ser questionado pelo Plurall. Leia a íntegra do texto:

As parcerias formalizadas pela Secretaria são registradas no Sistema Integrado de Transferências-SIT/TCE e são migrados para o Portal da Transparência, com exceção dos que se enquadram no art.33, da Resolução 28/2011, alterada pela Resolução 46/2014, que dispensa de registro os programas PROVITA e PPCAAM.

Sobre os convênios, estão no portal da transparência estadual. Nosso site também aponta para o portal. Segue link: www.transparencia.pr.gov.br/pte/compras/convenios/pesquisar-param?cnpj=09088839000106&portalInstitucional=SEDS&tipoAssunto=3

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