Como estão as aulas remotas para crianças?

Mães, pais e educadores discutem o cenário de incertezas que a Rede Pública de Curitiba atravessa

A pandemia chegou bem no momento em que os filhos de Ângela Ferreira e Josiane Bomfim fariam os primeiros contatos com a escola. Os dois têm cinco anos, uma fase marcada pelos porquês. Ângela se dedica ao lar e tem um pouco mais de tempo para guiar sua filha no processo de aprendizagem, mas a pequena é arteira que só e manter as aulas em dia tem se mostrado um desafio e tanto. Josiane faz teletrabalho como analista de RH e só consegue dar atenção à escola do filho depois do expediente. A sorte é que ele é um pouquinho mais paciente, coisa rara a essa altura da vida.

“A gente acompanha as aulas pelo YouTube, depois ele faz as atividades e eu mando pra professora via WhatsApp. Ela nos dá um retorno pra estimular e eu digo a ele que a profe ficou feliz. Acho que o ajuda, sabe? Ele sente falta da interação com outras crianças porque fica muito sozinho, mas nas aulas há um estímulo físico, há brincadeiras de curiosidade, há musiquinhas que ele ouve e depois fica cantando e mexendo os dedinhos…”, diz Josiane. Para ela, manter a rotina escolar de maneira remota é exaustivo, mas vale a pena.

Ângela confessa que está ligeiramente mais pessimista. “Não é a mesma coisa. A gente procura ajudar a ensinar, mas ela me pergunta coisas que não sei responder. É complicado. Coitados dos professores também. Eles estão num beco sem saída, tentam passar o melhor, mas é difícil. A profe manda todos os dias o link das aulas, mas por mais que eu tente, a minha filha não assiste. Vê uns cinco, dez minutos no máximo, depois começa a chorar, a correr… Ela começa fazendo a atividade e a gente acaba terminando por ela.”

Os filhos de Cezar Tridapalli são mais velhos: têm seis e dez anos, de modo que já não são mais tão dependentes do pai. Ele compartilha a guarda dos pequenos e trabalha em casa como escritor, tradutor e cronista do Plural. Quando os dois estão com ele, Cezar faz questão de participar como dá. “Como o meu filho menor está no segundo ano (portanto, em processo de alfabetização), quando eles estão comigo eu o acompanho e deixo minha filha um pouco mais sozinha (ela está no quinto ano), o que, de um ponto de vista otimista, pode gerar mais autonomia”, opina. 

Ambos estão matriculados na Escola de Ensino Fundamental Dom Manuel da Silveira D´Elboux, no bairro Hugo Lange, e acompanham as aulas gravadas pela Secretaria Municipal de Educação. “De tempos em tempos, pegamos diretamente na escola um kit alimentação por aluno e um kit de atividades impressas, tanto em folhas avulsas quanto em livros didáticos. A dinâmica é esta: no YouTube, assistimos às aulas, fazemos as atividades propostas em um caderno para cada ‘matéria’ e, de forma suplementar, estudamos e fazemos as atividades do material impresso, que será entregue para as professoras, diretamente na escola. No caso dos meus filhos, eles preferem os materiais impressos em detrimento das aulas gravadas.”

Cezar acha que as aulas gravadas são bem produzidas e até já elegeu as professoras favoritas, mas diz que nem todas têm a mesma desenvoltura. “Os conteúdos também se repetem bastante. Algumas aulas de Ciências, por exemplo, são as mesmas para anos diferentes. A mesma aula para segundo e quinto ano eu acho que é um problema, pois deve haver algum grau de complexificação para que o aluno se perceba avançando. Isso cria também uma inadequação comunicativa, pois temos professoras falando para alunos pequenos e grandes ao mesmo tempo, tratando os grandes como se fossem pequeninos, por exemplo. Não há desafio para as crianças maiores, que ficam olhando a tela desinteressadas, assistindo a conteúdos repetidos. E eu não os proíbo de, de vez em quando, aumentar a velocidade de reprodução do vídeo, já que por vezes as aulas se arrastam um pouco.”

Ele entende que vivemos um período de exceção, mas se preocupa porque a idade dos filhos não volta mais. “Acredito que, se tudo puder voltar em 2022, eles retomarão a rotina escolar sem grandes perdas, mas não sei se é uma opinião sólida ou apenas uma esperança. Mesmo com todos os pontos que julgo problemáticos, me orgulho do trabalho das profissionais. Sei que as dificuldades existem em quaisquer plataformas, então fica aqui minha defesa da escola pública, gratuita e de qualidade.”

TV Escola Curitiba

Em 2021, a Rede Municipal de Educação de Curitiba conta com 140 mil estudantes matriculados, cinco mil a menos que no ano passado. “O ensino remoto começou em abril de 2020, pela TV Escola Curitiba, e tem sido realizado da mesma maneira desde então. Para acessar, basta ligar a TV no canal 9.2 UHF da TV Paraná Turismo, 4.2 da Rede Massa, 16.4 da TV Evangelizar, ou assistir via Youtube. As videoaulas já têm mais de 36,3 milhões de visualizações no canal TV Escola Curitiba. São 144 mil inscritos desde a estreia”, comenta a Secretaria Municipal de Educação. 

“A TV traz propostas da Educação Infantil e videoaulas de Matemática, Língua Portuguesa, Robótica, Geografia, Educação Física, Arte, Ciências, História, Ensino Religioso, Literatura, Direitos Humanos e Família, Linhas do Conhecimento, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA). As aulas são elaboradas e ministradas pelas equipes de professores da Secretaria Municipal da Educação. O conteúdo foi desenvolvido com base no currículo da Rede Municipal, para a pré-escola, estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e os da EJA fase I. Todos os sábados, estudantes em inclusão da rede municipal de Curitiba têm acesso a conteúdos com adaptação pedagógica.”

Segundo a assessoria, os professores das turmas elaboram as atividades dos estudantes a partir das videoaulas, e a cada 15 dias as famílias entregam e retiram os kits pedagógicos nas unidades – datas que podem variar de unidade para unidade, já que cada uma faz o seu calendário. Quem tiver problemas deve conversar com a equipe da escola ou procurar a Secretaria de Educação de Curitiba.

Falta de acesso

Fernanda Amaral é uma das 14 mil professoras contratadas pelo Município para dar conta da demanda. Ela dá aulas para o 2º e 4º anos de duas escolas do bairro Tatuquara e se queixa principalmente da falta de acesso que atinge professores e estudantes. Segundo ela, é um cenário que escancara a desigualdade educacional. “É uma loucura, né? Os professores não têm ferramentas adequadas nem formação para lidar com as ferramentas que têm. Ao longo desse período, fomos investindo em banda larga, computador, celular… Mas estamos com o plano de carreira congelado e fica inviável arcar com os custos desses materiais. O mesmo ocorre com os estudantes. Às vezes eles têm um celular por família, que só pode ser usado à noite e sem banda larga. O 3G não suporta uma videoaula.”

O resultado é um contato com a aprendizagem que ela classifica como “precário” e “inferior”. “A gente tem muita dificuldade de localizar alguns alunos e percebe que já está acontecendo uma evasão escolar. Estamos sempre em busca de estabelecer um vínculo com a família para que o prejuízo não seja maior. A reclamação dos familiares é que eles não têm como acompanhar ou os filhos não querem assistir às aulas porque não conseguem se concentrar. Então, às vezes só tem aquela atividade impressa que o pai faz pra cumprir tabela. Não são as crianças que fazem, a gente sabe que não. É difícil.”

Luzia Fatima Ramos Lopes dirige a Escola Municipal Jornalista Arnaldo Alves da Cruz, no bairro Alto Boqueirão, e fala de uma experiência similar, mas com melhores resultados. “A nossa escola atende uma comunidade de extrema vulnerabilidade. A fragilidade econômica é muito forte e o acesso à internet é precário: cerca de 30% dos alunos têm acesso à banda larga. Isso limita muito o nosso trabalho. A Prefeitura acredita que todas as famílias assistem às videoaulas, fazem o registro em um caderno à parte e têm a atividade complementar que recebem da escola. Porém, a nossa realidade é totalmente diferente.”

Por lá, a aposta das gestoras têm sido no material complementar entregue às famílias. “A gente tem um sucesso muito grande na adesão a essa atividade: 100% de entrega e devolução, o que pra nós é muito bom. É o resultado de um trabalho de gestão e acolhimento muito importante. Temos o hábito de fazer ligações a cada 15 dias para saber como as famílias estão, como está a criançada… É assim que fazemos o mapeamento da comunidade e reforçamos a importância da adesão ao material.”

Aline da Cruz Ramos e Luzia Fatima Ramos Lopes estão à frente da gestão. Foto: arquivo pessoal

“É um trabalho fisicamente e emocionalmente cansativo, que exige muita criatividade e disciplina. Ficamos muito felizes com o respeito e a valorização. Conseguimos crescer na questão da comunidade escolar na pandemia”, comemora Luzia. “Seguimos sensíveis à realidade de cada estudante, pois sabemos que nem todos dispõem de uma mesa, um cantinho para fazer a lição, então fazemos uma sensibilização com os professores para que as atividades sejam adequadas à nossa realidade. Por conta da baixa escolarização da nossa comunidade, evitamos alguns recursos tecnológicos que eles não conseguem entender. Até no WhatsApp a gente é muito enxuto, pensando nos dados.”

Sem saída

Os profissionais fazem o que podem, mas a fala de Josiane é corroborada pela área: os pequenos sentem falta da interação com outras crianças, especialmente os menores. Um elemento que caracteriza a Educação Infantil é justamente o das relações. “A organização do trabalho pedagógico passa por uma relação contínua e muito próxima entre adultos e crianças e entre as próprias crianças. O que isso significa? Que fica praticamente impossível pensar numa volta presencial pensando em seguir os protocolos previstos. Um segundo ponto é que trabalhar de forma remota também fica muito difícil para essa relação pedagógica. Nós temos dito, a pandemia serviu para nos alertar sobre o quanto pensar a Educação Remota para a Educação Básica é muito difícil – e no caso da Educação Infantil, é inadequado”, pontua a doutora em Educação Angela Scalabrin Coutinho.

Diante desse quadro, a especialista é bastante clara: estamos sem saída. “Neste momento, não temos como desenvolver uma Educação Infantil com os parâmetros de qualidade que a gente defende. O que Curitiba tem feito é manter em atividade o calendário escolar e esse processo de interação das professoras com as famílias. São outras formas de chegar até as crianças, sempre intermediadas pela família, que neste momento tem ocupado o papel de acompanhar os estudantes, mas que não substitui o trabalho dos educadores.”

“Precisamos urgentemente de vacinas para todos e todas, principalmente para os profissionais da Educação”, defende Angela. “Não há, no quadro em que vivemos e olhando para as especificidades da Educação Infantil, outra saída que não retornar com segurança para garantir a qualidade do trabalho.”

Futuro

“Todo mundo teve prejuízos em diversas áreas. É uma sociedade inteira em estado de exceção e para as crianças não é diferente”, afirma a doutora em Educação Luiza Freire. Ela acredita que não será possível escapar de uma readequação curricular – coisa que muitas escolas já estão pensando em como fazer. 

“Com certeza faremos adequações metodológicas”, confirma a diretora Luzia, da escola no Alto Boqueirão. “A gente já entende que o estudante que fez o avanço para o ano seguinte necessita que seja revisto o conteúdo do ano anterior.”

A boa notícia é que, para os especialistas, Cezar estava certo sobre o que disse lá no começo: os pequenos serão capazes de retomar a rotina escolar sem grandes perdas. “Estamos caminhando para um ano e meio sem escola presencial. No período da alfabetização, a falta de rotina na escolarização ocasiona prejuízo nas crianças em situação típica de desenvolvimento, mas nada que não seja possível de ser recuperado nos anos seguintes. As crianças até os nove anos têm uma plasticidade neuronal fantástica”, aponta Luiza.

Ela fala que o importante agora é que as famílias sigam acompanhando os estudantes. “Algumas sempre acompanharam de perto, mas outras terceirizavam o desenvolvimento psicossocial, psicológico, moral e ético dos filhos. Agora elas estão tendo que viver obrigatoriamente essa vida escolar dentro de casa. Isso é positivo de várias formas.”

A dica da profissional para aguentar o tranco das aulas remotas é ter paciência e dedicação, na medida do possível. “É um período difícil para todos. Muitas vezes os filhos lidam melhor do que os familiares, que ficam muito ansiosos, mas eles também sentem a incerteza. Há uma angústia permanente no ar. Portanto, mães e pais: tentem passar o máximo de segurança possível e façam jogos e atividades lúdicas em família, que indiretamente trabalham os conteúdos. Algo que é fundamental na escola é brincar. Dá pra fazer isso em casa também.”

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1 comentário em “Como estão as aulas remotas para crianças?”

  1. Ratinho e Feder vão na mídia dizer que tem acesso gratuito nos Apps, mas é mentira. Pais carentes, quando conseguem dão o pouco que tem para seus filhos não ficarem desasistidos. Quando não podem mais custear ( sim pagar pela escola pública) veem seus filhos desmotivados terem que responder de modo mecânico a textos obsoletos no material impresso pela Secretaria de Educação.

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