Voar em meio à pandemia: passageiros relatam experiências e insegurança

Exame de Covid e aferição de temperatura não são exigidos no Brasil, que recebe voos lotados do mundo todo

Viajar de avião nunca foi uma tarefa fácil, nem barata. É necessário planejamento e segurança. Duas coisas que vêm fugindo aos passageiros que necessitam utilizar transporte aéreo desde que começou a pandemia. Agora, porém, a situação vem se agravando devido ao alto índice de casos e mortes pela Covid-19. Aeroportos lotados e companhias aéreas despreparadas preocupam passageiros por todo o mundo, em especial no Brasil, onde as fronteiras continuam abertas e os voos liberados de qualquer país.

Falhas nas medidas de segurança contra o coronavírus e falta de orientação e fiscalização em aeroportos e voos brasileiros têm gerado problemas para os usuários. Além de muitos não conseguirem remarcar o voo, outros ficam apreensivos por conta da grande quantidade de pessoas circulando dentro e fora dos aviões. Por aqui, não há aferição de temperatura nem exigência de teste para coronavírus e os voos seguem quase sempre lotados.

“Está um caos.” É assim que o estudante de jornalismo Andrey Ribeiro, de 20 anos, define a situação dos aviões e aeroportos em meio à pandemia. O jovem, que fazia intercâmbio em Portugal, voltou para o Brasil na última sexta-feira (26). 

Depois de ter o voo de volta cancelado pela terceira vez por conta do fechamento da fronteira de Portugal por tempo indeterminado, Andrey teve que comprar uma passagem de emergência por uma rota alternativa para conseguir chegar ao Brasil. 

Na viagem, o estudante passou por quatro aeroportos: o de Lisboa, em Portugal, o de Madrid, na Espanha, o de Guarulhos, em São Paulo, e o Afonso Pena, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. “O de Portugal estava bem controlado, eles estão bem restritos lá, pedindo teste de Covid e a declaração da Anvisa.” 

No entanto, a maior preocupação do jovem, a aglomeração, passou a se intensificar ainda na Europa. “Ficamos horas em filas por falta de organização das companhias. Não tinha muita informação clara e concreta e faltava fiscalização. O voo de Lisboa para Madrid estava lotado. O de São Paulo estava cerca de 85% cheio”, afirma.

Em território brasileiro, a situação era semelhante: um grande volume de pessoas circulando e fraca fiscalização das medidas de segurança contra o vírus. “Até tinha sinalização, mas o que eu vi foi que as coisas estavam mais relaxadas, por exemplo, as pessoas usavam máscara, mas na hora de sair do avião todos se aglomeravam.”

Em nenhum momento foi solicitado a Andrey o teste negativo para Covid-19 que ele havia feito em Portugal. Nem foi medida sua temperatura. 

África-Turquia-Brasil

Assim como Andrey, para entrar no Brasil, o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Mário Messagi Jr não teve que mostrar nenhum teste ou documento comprovando que não carregava o vírus.

O docente voltava da África do Sul, país onde estudou e morou por cerca de um ano, e também onde foi detectada uma nova variante do vírus Sars-CoV-2 – a chamada 501.V2, que causou preocupação entre os especialistas por ser uma mutação possivelmente mais contagiosa. 

O professor conta que para embarcar no voo na Cidade do Cabo, em 13 de fevereiro, precisou mostrar o teste RT-PCR, feito 72 horas antes da data do voo, e o formulário da Anvisa – medidas requeridas pela Portaria interministerial nº 651/2021, de janeiro de 2021, que determinou as normas para a entrada de brasileiros e estrangeiros no país. Na conexão em Istambul, na Turquia, foram exigidos os documentos e a medição da temperatura. Em ambos os voos, Mário conta que os passageiros receberam um kit com quatro máscaras e um vidrinho de álcool.

Chegando ao Brasil, porém, Messagi relata que o único documento que teve que apresentar foi o passaporte. “Aqui não mediram minha temperatura, não pediram o teste, nenhum documento adicional. Achei curioso que o documento que o governo do meu país pede para eu preencher [se referindo ao formulário da Anvisa] é solicitado pela empresa aérea da Turquia, mas não é solicitado por ninguém do aeroporto brasileiro.”

Messagi no desembarque, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo não tendo recebido nenhuma orientação quanto à quarentena, Mário optou por se isolar desde o dia de sua chegada em Curitiba – em 15 de fevereiro – até que o resultado de seu segundo PCR saísse. Na última segunda-feira (22), ele descobriu que não estava com o vírus.

“Eu vim de um país que está no mesmo patamar econômico que o Brasil, tem as mesmas dificuldades. Mas eu me sentia muito mais seguro com a política adotada lá. Meu medo de pegar o vírus aqui é muito maior do que o que eu tinha na África do Sul.” 

Curitiba-São Paulo

A médica ginecologista obstetra Geisa Zardo, que mora em Curitiba, não saiu do Brasil nos últimos meses, mas teve que embarcar em diversos aviões desde agosto do ano passado, quando começou a Pós-Graduação, em São Paulo.  

Como Geisa vai à Capital paulista uma vez por mês, desde o início dos estudos ela viajou sete vezes de avião. “No aeroporto está sendo mantido o distanciamento nas cadeiras de espera e fiscalização para o uso de máscaras. Entretanto, dentro do avião não há qualquer tipo de distanciamento social, sempre os voos estiveram lotados”, conta. 

Para ela, o despreparo das companhias aéreas com a pandemia é evidente, uma vez que elas continuam lotando os voos. 

Da mesma forma que Andrey e Mário, a médica não teve sua temperatura medida em nenhuma das vezes que viajou e também não precisou apresentar qualquer tipo de documentação que comprovasse a negatividade da doença. No entanto, Geisa considera essa uma medida de difícil implementação. “Fica inviável financeiramente fazer teste todo mês. Se a companhia pedir um teste de tempos em tempos também não seria viável porque eu posso fazer um teste hoje e amanhã pegar covid, ou mesmo fazer um teste com resultado falso negativo”, observa.

Medidas

Para o médico e professor de doenças infecciosas, especialista em Terapia Intensiva e Infectologia Marcelo Abreu Ducroquet, o Brasil deveria ter interrompido ou controlado a circulação de pessoas entre os estados brasileiros. “As consequências são a disseminação de variantes mais rapidamente e a chegada do vírus em regiões em que a pandemia está controlada”, afirma. Uma alternativa, segundo o profissional, seria restringir a circulação de pessoas e aplicar testes diagnósticos nos dias que antecedem a viagem.

Procurada pelo Plural a respeito das medidas de segurança sanitária contra a Covid-19, a Infraero declarou que “seus aeroportos têm adotado as orientações de distanciamento social e uso de máscara e higienização de mãos. Os terminais de passageiros estão sinalizados e têm veiculado mensagens audiovisuais com esses alertas. Essas recomendações também estão no site da Infraero”.

A Infraero reitera – a quem precisa viajar – o pedido para que sigam com as medidas de prevenção divulgadas – distanciamento, uso de máscara e higienização das mãos. “Além disso, a empresa segue rigorosamente as determinações do Ministério da Saúde e da Anvisa, além de manter contato constante com os demais órgãos responsáveis nas esferas federal, estadual e municipal, para alinhar as práticas de combate à transmissão do novo coronavírus.”

Sobre a medição de temperatura dos passageiros, a empresa afirmou que “a Anvisa não recomenda a aferição da temperatura corporal dos passageiros como medida efetiva de combate à contaminação por Covid-19, devendo-se priorizar a correta higienização das mãos, o uso de máscaras e distanciamento social.” 

A Infraero não respondeu ao questionamento sobre o controle de passageiros. 

Remarcar voos pode sair caro

A primeira vez que a jornalista Lorena Nogaroli viu a mãe em cinco anos foi no último fim de semana de fevereiro, quando viajou os 3.303 quilômetros que separam a Capital paranaense da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, onde mora a matriarca. Mesmo respeitando todas as recomendações de segurança, a jornalista ficou com “uma pulga atrás da orelha”. Isso porque, nos aeroportos o que viu foram pessoas sem máscara, aglomeração no embarque e desembarque e nenhum distanciamento entre as pessoas dentro do avião, que foi lotado. “Fiquei com medo de viajar.”

Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Foto: Lorena Nogaroli

A jornalista relata que antes de voltar a Curitiba, ligou para a empresa Latam e informou que estava com sintomas de Covid. “Eu não estava, mas queria entender o que eles iriam fazer. E adivinha o que fizeram? Disseram que eu teria que pagar se quisesse remarcar meu voo. Ou eu que viajasse com sintomas”, afirma.

Depois de muito insistir, a companhia comunicou que só poderiam remarcar o voo sem custo caso Lorena comprovasse que estava contaminada. “A questão é que o exame mais preciso demora uns dois dias para dar o resultado – e o teste rápido exige quatro dias de sintomas. Se eu disse que comecei a ter sintomas naquele dia, não podiam me exigir o teste.”

Quando chegou em Curitiba, por receio, Lorena se hospedou em um hotel por três dias antes de ir para casa ver a família.

Em resposta ao Plural sobre o caso de Lorena, a LATAM disse, em nota, que “passageiros diagnosticados com Covid-19 podem remarcar uma vez a data de sua viagem sem multa, mas pagando diferença tarifária (se houver). O cliente deverá enviar o seu atestado médico para comprovação e poderá viajar a partir de 14 dias após o diagnóstico da doença ou certificando que não está mais na fase de contágio”.

Sobre as medidas de segurança, a empresa afirma estar preparada para atender a todos com segurança, “pois adotou desde março todas as medidas de biossegurança recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas autoridades sanitárias dos países onde opera”. 

Direitos e a pandemia

O advogado especialista em Direitos do Consumidor, Matheus Aguirra, explica que no caso de Lorena, para que fosse reembolsado o valor da passagem, ela realmente teria que apresentar um comprovante. Ainda que não fosse o teste positivo, ele afirma que haveria necessidade de um atestado médico. “Ela precisa ter um documento para mostrar para a companhia aérea de que ela realmente está [com o vírus ou com os sintomas] e aí ela poderia remarcar a passagem.”

Se Lorena realmente estivesse com sintomas da doença e tivesse pago para remarcar a data do voo, a sugestão do advogado seria para juntar provas: fazer o teste de Covid ou pedir por um atestado médico comprovando os sintomas. Dessa forma, ela poderia abrir um chamado na companhia aérea mostrando que na data em questão ela estava de fato contaminada. Nesse contexto, a passageira poderia solicitar pelo reembolso posterior. Caso a companhia negue, o próximo passo é entrar na Justiça.

Conforme explica o advogado, o consumidor pode pedir por qualquer tipo de tutela que precise, não apenas financeiramente. “Se você quiser resolver seu problema, a primeira opção é o Procon, mas o Procon vai tentar resolver a situação através de um acordo. O mais indicado é pegar um advogado e entrar no Juizado Cível ou na Justiça comum. Além de resolver o problema, é possível conseguir o reembolso e um dano moral. Ou, ao invés de pedir o dinheiro de volta, você pode pedir para estender o prazo.”

Por conta da pandemia, os direitos do consumidor – em especial no que se trata de viagens – foram flexibilizados. O advogado esclarece que, antes, quando um passageiro adoecia na data da viagem, ele não tinha direito a remarcar a passagem. Mas com esse cenário, e todas as restrições consequentes dele impostas pelas autoridades públicas, as companhias aéreas são forçadas a remarcar. 

Para o especialista, o direito do consumidor vem sendo aplicado com bastante equilíbrio. “Eles estão flexibilizando bastante por que a situação para as companhias também está bem difícil, então certas coisas, como exigir uma comprovação, são uma burocracia razoável pelo lado da companhia aérea”, afirma. 

A grosso modo, todo direito do passageiro é baseado no Código de Direito do Consumidor. No âmbito da aviação, a agência reguladora responsável por ajustar determinadas normas em uma situação singular – como a pandemia – é a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Além de editar normas públicas específicas no âmbito da aviação e das companhias aéreas, o órgão também é responsável por fiscalizar o cumprimento dessas medidas.

O advogado esclarece que, para fazer denúncias e reclamações a respeito das recomendações de segurança, deve-se procurar pela própria ANAC ou pelo Procon. O aeroporto, via de regra, apenas recebe os passageiros e voos. A situação deve ser tratada diretamente com a companhia aérea. 

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

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