Vou votar numa mulher

É preciso eleger mulheres para que a próxima geração de líderes do sexo feminino não precise perder tempo

Temos eleições municipais este ano. Pode não parecer, já que há outras coisas ocupando nossa atenção, como a grave crise hídrica em que estamos, a pandemia, ou mesmo as crianças que estão disputando aos gritos espaço entre as demandas de trabalho dos pais. Mas em 15 de novembro teremos que escolher alguém para comandar a Prefeitura de Curitiba e para ocupar uma das 38 vagas na Câmara Municipal.

A ética do Jornalismo diz que não devemos, como jornalistas (ainda mais aqueles que, como eu, estão envolvidos na cobertura jornalística do pleito), declarar voto. Não farei isto. Mas digo o seguinte: vou votar numa mulher.

A reação mais comum a essa declaração em eleições anteriores foi: se o que importa é a competência, faz diferença ser homem ou mulher?

Pois bem, o argumento da competência é uma falácia. Cargos eletivos não são preenchidos com base em currículo. São cargos destinados a quem representa o povo e, como tal, direciona o trabalho dos técnicos para áreas que são relevantes para este povo.

Competentes são os funcionários públicos de carreira, que executam a política do/a eleito/a.

Na prática, o discurso da “competência” nas eleições só serve ao propósito de excluir todos aqueles que não “parecem competentes”, ou que, por exemplo, nunca ocuparam um cargo eletivo. Barrar alguém da vida pública por qualquer um desses dois critérios é anti-democrático e, francamente, uma tolice.

Por anos o brasileiro em geral votou no homem branco de terno (sem gravata e com as mangas arregaçadas, porque ele é gente como a gente) e capacete de proteção porque é esta a “cara” de quem “faz”. O problema é que essa imagem não representa, de fato, o que é o Brasil e a cara de quem faz o país.

Vou votar numa mulher para prefeita e para vereadora por isso, porque, ao ter uma mulher em cargos visíveis, vamos nos acostumando que quem comanda também pode ter cara de mulher. Pode dar errado? Certamente. Mas não erramos nunca votando em homens?

“Ah, mas aí para incluir um você exclui o outro”, ou na versão “eunãoaceito” o programa de Trainee do Magazine Luiza para negros, isso é “racismo reverso” (risos constrangidos).

Veja bem, cara pálida, cada eleitor tem um voto. Eu tenho o meu. E ele vai certamente só incluir um ou uma candidato/a. Não estamos aqui propondo que só mulheres se candidatem (como, de fato, era o que acontecia nas eleições brasileiras no passado não muito distante, só que só com candidatos homens).

Eu quero uma mulher prefeita e uma mulher vereadora porque preciso que as mulheres sejam vistas em posições de liderança. Não por ser uma bandeira de direita ou de esquerda. Mas porque isso pode me ajudar a economizar tempo.

Explico: eu sou, guardando as devidas proporções, uma mulher em posição de liderança. Sou coordenadora-geral do Plural, um dos jornais mais importantes de Curitiba, parte da rede de veículos apoiados por grandes organizações. Também sou a responsável pela concepção e a execução do projeto do jornal, uma das campanhas de financiamento coletivo mais bem-sucedidas do país.

A falta de mulheres em posição de liderança me faz perder muito tempo. Há o fornecedor que não quer decidir comigo algo importante sobre o serviço prestado, porque ele precisa falar com os outros sócios (homens). Há quem me convoque para uma reunião sobre estratégia de negócio só para me prender em uma hora de conversa sobre como eu “posso dar um banho de loja no Rogerio” (true story).

Como as pessoas não reconhecem em mulheres o poder de decidir, de comandar, nós precisamos gastar muito mais tempo para ocupar o lugar que nossa formação técnica, experiência profissional e maturidade nos reserva. É preciso dizer a mesma coisa inúmeras vezes. É preciso convencer os outros que nossa decisão é técnica. E afirmar uma vez e outra de novo que não, nossa crítica não é “levar para o lado pessoal”, mas sim uma avaliação ponderada e racional.

Daí o ativista de rede social, direto do sotão escuro na casa da mãe, corre comentar que “se a mulher leva mais tempo, melhor mesmo contratar direto um homem”. Pois é, não. A gente aprende cedo a ser mais eficiente. A fazer três, quatro coisas ao mesmo tempo sem errar, porque ser mulher é ter que ser duas vezes melhor para ocupar o mesmo espaço que um homem.

Eu quero que minha empresa cresça. E para isso preciso de pessoas competentes. Não posso excluir do conjunto de profissionais que posso contratar metade da força de trabalho. Nem quero que, uma vez que eu contrate uma mulher, ela tenha que desperdiçar o valioso tempo dela lidando com a incapacidade dos outros (inclusive de mulheres) de perceber que ela sabe o que está fazendo. E que não, ela não tá “levando para o lado pessoal”.

Na minha área, mulheres em cargos de liderança até são comuns. Temos mulheres à frente da RPC TV, da Banda B, do Bem Paraná. Mas ainda assim, mulheres jornalistas continuam a sofrer assédio moral e sexual no trabalho.

Termos mais mulheres em outras posições pode não resolver isso, mas ajuda muito. Quem sabe um dia, a presença de mulheres em cargos de chefia seja tão comum que teremos até mesmo a oportunidade de sermos incompetentes a ponto de o argumento da “competência” na escolha de candidatos a cargos eletivos vir a fazer algum sentido.

Sobre o/a autor/a

11 comentários em “Vou votar numa mulher”

  1. Sabemos que inúmeros são os obstáculos que interpõem no caminho rumo à sociedade que amejamos, dentre eles destacam se a educação diferenciada que leva a aceitarem ocupar posição secundária na sociedade, oportunidades desiguais, em flagrante benefício dos homens. Em 2020 fui convidada a participar nas eleições municipal da região metropolitana de Curitiba, já de início me deparei com a desigualdade são 8 candidatos homem para 4 mulheres isto só para uma coligação, me leva a pensar que a mulher desenvolve várias funções no âmbito familiar, profissional e pessoal o acúmulo de responsabilidade de funções o desgaste físico e mental para tal . Então o que leva uma mulher a abrir mão de sua de suas buscas individuais a uma busca do bem comum e para a Sociedade. Pergunta que me fiz antes de aceitar a candidatura. Estamos aqui de passagem neste plano, devemos pensar nas futuras gerações, sou mãe de mulher também vou ser vô um dia, que mundo que sociedade que valores quero deixar, e principalmente que exemplo, que aceito o que nos é apresentado e cruzamos os braços e está tudo tranquilo ou erquer minha mão direita e dizer ” hoje posso ser a primeira e vou ser a primeira de muitas”.

  2. Nas últimas eleições, eu e meu marido fizemos exatamente isso: decidimos que iríamos votar apenas em mulheres. Esse ano não será diferente!

  3. Concordo, mas tínhamos uma mulher presidenta, e a misoginia tirou ela de lá num golpe vergonhoso. Houve um episódio na Câmara Municipal de Curitiba, quando ocorreram denúncias contra o Derosso, em que o sujeito estava mergulhado em fatos negativos e a vereadora Professora Josete foi acusada de tirar 200 cópias de xerox…Imagine… Nós mulheres sempre estigmatizadas, perseguidas. Veja a Maria do Rosário!

  4. Amei o texto.
    Perfeito.
    Vem de encontro ao discurso e trabalho que desenvolvemos dentro do Comite ds Políticas Publicas para as Mulheres, do Grupo Mulheres do Brasil- Núcleo Curitiba.
    Tbem vou votar em Mulher para prefeitura de Curitiba.

  5. Eu também,
    mas ela será india, negra ou da periferia.
    Adotei esta estratégia desde 2002, e só não pude cumprir com meu propósito em 2014, porque então eu já sabia o suficiente do vice dela para preferir votar em branco.

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