O dia em que eu virei a “mulher do boleto”

Encontrei R$ 400 e uma conta a pagar; só porque fiz a coisa certa, recebi milhares de mensagens

Ontem foi terça, um dia meio esquisito. Eu não gosto muito de dias nublados, me dá preguiça de sair de casa pro trabalho. Não tinha conseguido fazer meu almoço, então passei boa parte da manhã pensando no que ia comer, até que deu meio-dia, e minha amiga me deu a ideia de descermos para pegar sushi.

Depois de enrolarmos um pouquinho e terminarmos algumas atividades, descemos conversando. Eu tenho costume de andar olhando pra baixo (eu tropeço bastante, além de que sempre tem a chance de eu encontrar uma máscara caída no chão pra minha “coleção” de fotos – sim, tiro fotos de todas as máscaras que eu vejo caídas no chão já faz algumas semanas) e quando passamos em frente ao Mercadorama, vi uma notinha de 200 reais dobrada.

Meu primeiro pensamento? “Ah, nem existe nota de 200, isso é falso.”
Dei mais dois passos e lembrei que opa, peraí, existe sim.

No fim, eram duas notas de 200 dobradinhas juntas e, perto delas, tinha um papel também dobrado. O papel era um boleto, gerado pelo NuBank, no valor de R$390.69, ou seja, com certeza o dinheiro era para pagar o boleto.

O primeiro passo foi olhar em volta e ver se não tinha ninguém procurando pelo dinheiro. Não vi ninguém. Abri o papel e vi os dados de uma pessoa – Raul Alessandro -, que eu corri para achar no Facebook. Mandei uma mensagem para alguém que poderia ser quem eu estava procurando, e passei o horário de almoço esperando uma notificação. Como ela nunca chegou, desci para pagar o boleto na lotérica, porque sabia que iria chegar uma notificação na conta do NuBank de quem emitiu. Peguei o comprovante e o troco, e guardei comigo, ainda sem ter a menor ideia de como eu ia avisar que o boleto tinha sido pago.

Um tempo depois, conversando com a minha mãe, ela me deu a ideia de postar o que aconteceu no Clube da Alice, no Facebook. Foi aí que a situação tomou outro rumo.

Eu postei e entrei em reunião, fiquei um tempo sem mexer nas redes sociais. No post, eu explicava o que havia acontecido e pedia ajuda para encontrar o Raul, avisar que o boleto foi pago e entregar o troco. Quando saí da reunião, já estavam com mais de mil curtidas, e vários comentários. Com o tempo, várias meninas do grupo foram me mandando mensagens para me ajudar, algumas apenas com o endereço da casa dele, algumas dando ideias de entrar em contato com o Nubank (o que, com a ansiedade, nem tinha passado pela minha cabeça), e por fim, algumas com contato de celular.

Eu entrei em contato com duas pessoas, e acabei conseguindo falar com a mãe da Danielle, esposa do Raul. Ela me passou o contato dele, e eles me ligaram para eu poder enviar o comprovante.

Atualizei o post no grupo, mas os comentários e curtidas não paravam de chegar. Da última vez que eu vi, eram mais de 6 mil curtidas e quase 2 mil comentários. Foram tantas mensagens que eu recebi, que não consegui dar a devida atenção para todas.

Hoje, quando cheguei no trabalho, descobri que tinham feito uma matéria que estava na primeira página da Tribuna Online, virei “a mulher do boleto” no escritório. Conversei com pessoas da RICTV que agendaram uma entrevista comigo. E muita gente – muita mesmo – entrou em contato para elogiar minha ação.

Claro, me sinto grata pelos elogios e desejos de coisas boas para a minha vida. Mas isso me fez pensar.

Minha ação foi o mínimo, foi a decisão óbvia a ser tomada, o que todos nós deveríamos fazer. Minha educação familiar foi muito elogiada (e deveria mesmo, minha família é incrível), mas eu acredito que essa não seja uma questão apenas familiar. Nossas influências vêm de todos os lugares, de todas as pessoas que, de alguma forma, tocam nossa vida. E tudo isso me prova como a situação do nosso país está difícil.

Uma ação tão simples – eu fiz apenas o que deveria ser feito por qualquer pessoa – acaba virando um evento, gera uma comoção enorme. E por quê? Porque nossos maiores exemplos, atualmente, não agem dessa forma. Temos pessoas no governo sem nenhuma empatia, sem preocupação e cuidado com o próximo.

Estamos em ano de eleição. Vamos aproveitar a comoção desse ato tão simples e votar com consciência, com empatia, pensando que nosso voto é plural, votamos por todos. Quem sabe, tomando esses cuidados, no futuro essas ações sejam realmente corriqueiras e passem batido, como deveriam sempre ser.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “O dia em que eu virei a “mulher do boleto””

  1. Parabéns. Belo gesto.
    Bela crônica.
    Sorte sua.
    Fez o bem, direitinho.
    E sorte da pessoa que perdeu as 2 dw duzentos.
    Que isso lhe volte muitas vezes mais
    Agora – veja a que pé chegamos.
    Vibramos e curtimos o que deveria ser normal e comum.
    Humanos…
    Então vamos aprender pela imitação e repetição.

  2. Chapeau! Essa parte da familia é assim…para vc terceira geração isso é natural….na segunda, a minha, a gente tinha alguma duvida, mas acabávamos fazendo o que vc fez, com alguma dificuldade…a primeira? Nem teriam visto !

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