Reintegração despeja haitianos e famílias sem moradia na Grande Curitiba

Ocupação chegou a ter 800 pessoas; no dia da ação foram identificadas 149 famílias

Passava das 5h da manhã da última sexta-feira (11) quando a cozinheira Olga Ferreira da Silva, 56 anos, acordou com um movimento intenso de policiais militares do lado de fora do seu barraco. A tropa chegava para colocar abaixo a ocupação em que ela e outras centenas de pessoas – muitos refugiados haitianos – moravam há cerca de 15 dias, em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O corre-corre foi geral e, em menos de meio dia, pouca coisa além de cinzas restava no terreno, vazio há décadas.

“Pela quantidade de policial, até parecia que tinha umas dez mil pessoas ali”, relembra Olga, que morava em um alojamento improvisado com vários outros conhecidos, dos quais 16 crianças. Não houve repressão física, mas casebres e pertences que não foram retirados a tempo foram queimados, tudo sob condução da empresa curitibana proprietária do terreno.

De acordo com os acampados, a ocupação chegou a ter cerca de 800 pessoas. No dia da saída, eram 149 famílias, mas muitas já tinham deixado o local. O acampamento foi derrubado em cumprimento a uma liminar de reintegração de posse expedida no dia 29 de agosto, em esquema de plantão, pela juíza Gresieli Taise Ficanha, do Foro Regional de Almirante Tamandaré. Entre o protocolo do pedido e a decisão, foram menos de três horas.

À Justiça, a empresa dona do lote argumentou ter encontrado cerca de 120 famílias já assentadas, e que caminhões de mudança indicavam “a intensão de permanência dos invasores [sic]”. Apontou ainda riscos de danos ao meio ambiente, pois haveria trechos de preservação permanente na área – onde ela própria cita a intenção de levantar, futuramente, um “empreendimento imobiliário”.

A juíza acolheu o pedido e também autorizou a demolição das tendas montadas. A sentença chegou a ser contestada sob alegação de que a empresa não comprovou ter a posse da região sob litígio, porém a decisão foi mantida pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) Péricles Bellusci de Batista Pereira.

“Eu posso dizer que o que impediu que ocorresse um despejo mais brutal, de forma opressiva, foi que nós já sabíamos que isso iriar ocorrer, por informações que chegaram informalmente até nós”, conta Julian de Pol, do Movimento Popular por Moradia de Curitiba (MPM). “Nós nos organizamos com a comunidade para que não houvesse surpresa, para que eles soubessem quais seriam os procedimentos básicos e o que fazer.”

A desocupação durou quase o dia todo, conduzida de perto por policiais. A Polícia Militar do Paraná (PM-PR) não se pronunciou sobre o efetivo enviado para dar suporte à reintegração, mas disse que era o suficiente para que a ordem fosse cumprida. Além da PM, a Secretaria de Segurança e Cidadania, o Conselho Tutelar e o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Almirante Tamandaré também acompanharam o despejo.

De ocupação em ocupação

Segundo os ocupantes, grande parte dos moradores do assentamento era refugiados haitianos. Sem ter para onde ir, muitos seguiram para a ocupação Nova Esperança, em Campo Magro, também na Região Metropolitana de Curitiba. O local fica a cerca de 500 metros da Prefeitura do município e abriga quase mil famílias que, como em outras ocupações da Grande Curitiba, não têm condições de pagar aluguel.

“Muitos haitianos que estavam lá realmente não têm moradia. Eles costumam ficar em repúblicas, em alguns alojamentos que acolhem. Então, quando surge uma oportunidade de moradia para eles acaba sendo uma excelente oportunidade. E se sai de uma ocupação, vão para outra”, comenta Olga. Desempregada, a cozinheira também teve que voltar para Campo Magro e agora vive em um barraco que divide com mais pessoas da família.

A secretária de Segurança e Cidadania de Almirante Tamandaré, Jocélia Alves Fonseca, afirma que a Prefeitura acompanhou a reintegração desde o início para evitar excessos no cumprimento da ordem. No dia do despejo, foram identificadas 149 famílias e, segundo a secretária, nenhuma delas precisou de acolhimento.

“Ali tinha muita gente dos bairros de Curitiba, Pilarzinho, CIC, Vila Corbélia, também de Campo Magro, e eles tinham um endereço pra dar, a casa dos pais, de alguém da família”, justifica a secretária. “A demanda de habitação no Brasil é problema sério. Aqui no Município mesmo, nós temos um cadastro gigante para programas de moradia, mas precisamos de uma verba que não vem”, completa.

A PM não se manifestou até o fechamento desta reportagem. O Ministério Público do Paraná (MPPR) também não respondeu ao Plural se acompanhou o processo de reintegração de posse.

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