Documentário “Pulsão” analisa o papel das redes sociais na política brasileira

Produção curitibana com exibição gratuita no YouTube narra eventos que transformaram o cenário nacional e deram origem ao Brasil de 2020

“Pulsão” faz um recorte histórico de um período complexo da política brasileira, entre os 2013 e 2018.

Com exibição gratuita no YouTube (ao menos por enquanto), o documentário curitibano analisa, entre 2013 e 2018, o papel que as redes sociais desempenharam nas manifestações contra a presidente Dilma Rousseff, em prol da Lava Jato e até a favor de uma intervenção militar no país.

O diretor Di Florentino começou a filmar as manifestações quatro anos atrás, em Curitiba. Depois de realizar uma websérie sobre o tema, ele ficou interessado em analisar melhor como a lógica de consumo se impõe no mundo digital – com efeitos na vida política.

Florentino transformou esse desejo em um projeto de filme e o apresentou para o Sindicato dos Engenheiros no Estado no Paraná (Senge-PR), que aceitou produzir “Pulsão”.

“Queria trabalhar em “Pulsão” com uma narrativa de montagem que pudesse flertar com a pós-verdade, termo que estava estudando, e com a tão pouca falada (na época) fake news”, diz Di Florentino.

No processo de realização, ele contou com a ajuda da roteirista Sabrina Demozzi. Sobre a dificuldade de falar sobre política num país polarizado, Demozzi argumenta que todo documentário é baseado em um ponto de vista. “Nesse sentido, o nosso posicionamento é, evidentemente, contrário a determinadas situações políticas e midiáticas que foram arquitetadas para promover um processo de destruição das instituições e da democracia no Brasil”, diz ela.

Na entrevista a seguir, diretor e roteirista se revezam para responder às perguntas sobre as dificuldades enfrentadas na produção e sobre quem é o público-alvo do filme.

Você poderia falar um pouco sobre o ponto de partida e as motivações na origem do documentário?

Di Florentino: Com a equipe da minha produtora, a Trópico Audiovisual, começamos a registrar em 2016 o que estava acontecendo nas manifestações em Curitiba, o que motivava as pessoas a pedir uma intervenção militar, apoiar a operação Lava Jato, a saída de Dilma Rousseff e, mais tarde, os primeiros e vazios atos de apoio a Jair Bolsonaro. Ali nascia uma websérie documental chamada “#manifesto”, que gerou muitos debates e visualizações, principalmente no Facebook. O objetivo era filmar depoimentos e também lançar curtas sobre a atmosfera de cada ato. Era o início da polarização desenfreada do país.

No mesmo ano, nos convidaram a fazer a produção audiovisual do “Circo da democracia”, um evento importante de resistência ao golpe que o Brasil vinha enfrentando. Foi ali que conhecemos os organizadores do evento e também o Senge-PR [Sindicato dos Engenheiros no Estado no Paraná].

Um ano após o “Circo da democracia”, apresentei um projeto para o Senge-PR para a realização de um documentário que pudesse refletir a participação política das pessoas a partir das redes sociais, a iconografia dos personagens da política brasileira, a criação de um mercado on-line pró-impeachment e a manipulação das informações por grupos autodenominados apartidários. Diferente do “#manifesto”, que tratava da opinião política e de atos com câmeras observacionais, queria trabalhar em “Pulsão” com uma narrativa de montagem que pudesse flertar com a pós-verdade, termo que estava estudando, e com a tão pouca falada (na época) fake news. Eu sabia que o documentário “Democracia em vertigem” estava sendo produzido, e que “O processo” estava sendo finalizado. Sabia que a Anna Muylaert estava realizando um filme intimista sobre Dilma Rousseff, sabia que estava sendo produzido um filme no Congresso Nacional chamado “Excelentíssimos” e que o recorte de “Pulsão” poderia somar com essas outras narrativas ao falar de como as redes sociais estavam virando uma nova página na política.

Hoje, parece impossível falar de política no Brasil sem ser contra ou a favor do que quer que seja. Como vocês lidaram com isso? Qual é o posicionamento político que vocês procuraram adotar com o documentário “Pulsão”?

Sabrina Demozzi: Somando à sua afirmação e respondendo às duas perguntas: creio que esta é uma situação que foi gestada e radicalizada nos últimos anos, sobretudo em decorrência do “esvaziamento” do debate motivado, em partes, pela apropriação de determinados temas caros à nossa vida em comum pelo marketing político e pela banalização da violência e do ódio. Eu, que fui uma das pesquisadoras e roteiristas, busquei compreender à luz das referências selecionadas (sejam documentais, bibliográficas ou audiovisuais) que elementos narrativos e de comunicação foram essenciais para desencadear certos comportamentos e atitudes. Importante salientar, em relação à sua segunda pergunta, que “Pulsão” foi um filme pensado por muita gente e nós, como produtores, buscamos atender às diferentes expectativas de quem estava contribuindo financeiramente e intelectualmente com o projeto. Além disso, documentários são baseados em pontos de vista e na defesa deles. Nesse sentido, o nosso posicionamento é, evidentemente, contrário a determinadas situações políticas e midiáticas que foram arquitetadas para promover um processo de destruição das instituições e da democracia no Brasil. Para além de uma defesa partidária, vejo que é importante analisar as consequências disso tudo para a vida das pessoas, em seus aspectos emocionais, sociais e também econômicos.

Na produção do documentário (falo da parte intelectual do trabalho), qual foi a maior dificuldade que vocês enfrentaram?

Di Florentino: Nesses anos conturbados, de 2016 a 2018, tivemos acesso a muitas imagens e informações. Eu passava a semana inteira consumindo imagens, foi realmente uma época muito difícil, pois eu também estava afetado por tudo o que o Brasil vinha passando, pela forma como ele estava sendo destruído. Em uma experiência como essa, “equilibrar” os desejos de muitas pessoas envolvidas no filme e criar uma história foram verdadeiros desafios. A pesquisa foi imensa, temos muitas versões do roteiro. Acho que, a exemplo das cineastas Maria Augusta Ramos (“O processo”) e Petra Costa (“Democracia em vertigem”), a maior dificuldade era decidir quando e como o filme deveria acabar. Ele poderia ter acabado em meados de 2018, mas aí veio a eleição presidencial e deu no que deu. A segunda dificuldade foi desapegar de algumas cenas bem construídas que tiveram de ser cortadas porque atrapalhavam o ritmo criado pela montagem.

Como vocês financiaram o filme?

Di Florentino: A realização do filme só foi possível pelo incentivo do Senge-PR, que tinha por objetivo, com esse projeto, inaugurar uma nova forma de comunicar, alinhada com um mundo que consome conteúdos e entretenimento. É muito importante uma iniciativa como essa e seria de bastante soma que outros sindicatos também começassem a incentivar filmes. Espero que esse seja o primeiro de muitos projetos financiados pelo Senge-PR.

Por que vocês decidiram pela exibição gratuita no YouTube?

Di Florentino: Depois que o “Pulsão” ficou pronto, havíamos começado a organizar um pré-lançamento presencial em Curitiba, mas veio a Covid-19 e cancelamos o evento. O projeto não tinha orçamento para distribuição, então ficaria difícil ficar em circuito após a reabertura das salas de cinema. Foi então que optamos por realizar um lançamento on-line, visto que muitos filmes e eventos gratuitos surgiram durante a pandemia. Em breve o filme não estará mais disponível no YouTube e vamos seguir na tentativa de distribuir por VOD .

O documentário fala da influência das redes sociais na política, mas vocês optaram por não se concentrar em explicações relacionadas às engrenagens dessa relação (como no caso dos disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp). Poderia falar um pouco sobre como planejaram a narrativa do filme?

Sabrina Demozzi: Como o filme começa antes das revelações do uso massivo do WhatsApp para fins políticos e a gente precisava mesmo terminá-lo, optou-se por deixar isso em aberto. De modo geral, documentários são mais dinâmicos do que a ficção, por exemplo, e permite essa possibilidade de mudanças na narrativa, o que foi algo que aconteceu com “Pulsão”, já que haviam alguns consultores desejavam um viés mais político e nós, o recorte da tecnologia. A narrativa tal como vocês veem hoje é a soma desses olhares, adaptada após diferentes inferências e opiniões. Já estamos nos debruçando sobre a temática mais especificamente (as engrenagens da arquitetura da desinformação) em um projeto futuro.

Na sua opinião, quem é o público-alvo do documentário?

Sabrina Demozzi: “Pulsão” destina-se a jovens, educadores, políticos engajados no combate à desinformação, comunicadores, ativistas, artistas, líderes de negócios sociais e demais atores sociais, que atuam na defesa dos valores democráticos, compartilhando materiais que podem mobilizar e formar cidadãos comprometidos com a verdade e os direitos humanos no Brasil.

Na web

O documentário “Pulsão” tem exibição on-line e gratuita no YouTube.

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