Em crise, bares de Curitiba reabrem as portas

Sem apoio do poder público, prejuízo pode chegar a R$ 1 milhão para cada estabelecimento. Casas noturnas e festas continuam proibidas

Pouco mais de dois meses após o início da quarentena, a Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) estima que menos da metade dos bares de Curitiba reabriu as portas, mas garante que está buscando meios de ajudar os empresários na retomada das atividades para conter a crise do setor. 

De acordo com pesquisas internas da Associação, o prejuízo de cada estabelecimento, após três meses de portas fechadas, pode chegar a R$ 1 milhão, dependendo do porte. “Algumas empresas já demitiram pra não chegar nisso”, afirma Fábio Aguayo, presidente da Abrabar. “Está todo mundo quebrado. Aos que estão tentando retomar, estamos procurando mecanismos para dar tranquilidade, não só financeira mas jurídica.”

A Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU) pontua que os bares nunca foram impedidos de funcionar pelos decretos municipais e estaduais. Como não houve alteração nas orientações ao setor, apenas a abertura de casas noturnas e a realização de eventos e festas seguem proibidas em Curitiba. “Se a empresa possui alvará de funcionamento vigente para Bar e Restaurante, poderá abrir seu estabelecimento, desde que atenda à legislação específica e o Protocolo Curitiba Contra o Coronavírus da Vigilância Sanitária”, esclarece o órgão.

A assessoria destaca que descaracterizar a atividade do negócio poderá ensejar notificação pela alteração dos ramos no alvará, se houver fiscalização. “A utilização do espaço da pista de dança com mesas pode ser realizada, desde que a empresa tenha alvará para restaurante, lanchonete ou bar. Restaurantes podem ter cartas de bebidas no menu”, complementa.

A SMU ainda acrescenta que a fiscalização do setor está sendo feita pela AIFU (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), ligada à pasta, além de outros órgãos, como Polícia e Bombeiros. Bares com aglomerações podem ser fechados.

No último fim de semana, a SMU, acompanhada de equipes integradas, vistoriou 26 estabelecimentos comerciais e de serviços em Curitiba. “O foco principal foi verificar a adequação dos locais à Resolução 01/2020, que disciplina o funcionamento dos estabelecimentos durante o período da pandemia da covid-19”, explica o órgão.

“Os fiscais expediram 22 notificações, sendo que em dez estabelecimentos, além do descumprimento das medidas sanitárias obrigatórias para prevenir a propagação do coronavírus, foram observadas inadequações nos alvarás de funcionamento. Cinco estabelecimentos foram interditados, todos por promoverem aglomerações”, informa a SMU.

Vistoria da AIFU em estabelecimentos da Capital. Foto: Hully Paiva/SMCS

Crise nos bares

“Tentamos, desde o começo, lutar para conciliar economia e saúde, mas é muito difícil”, diz o presidente da Abrabar. “A situação está muito complicada. Muitos empresários estão sem capital de giro, muitos estão com os contratos dos funcionários suspensos, outros estão renegociando aluguéis pra ver se continuam e outros fecharam de vez.”

Dados da Abrabar apontam que Curitiba tem 14 mil trabalhadores no setor. A principal queixa da categoria é a falta de assistência do poder público. Hoje, os empresários contam apenas com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, do Governo Federal. “Muita coisa ficou na falácia. Prefeitura só liberando empréstimo para o transporte coletivo, para fazer asfalto, e você não vê nenhuma mobilização para ajudar o pequeno e microempresário”, queixa-se Aguayo.

A Associação protocolou pedidos de medidas de apoio à Prefeitura de Curitiba e à Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento, mas não obteve retorno. Os documentos pedem a suspensão temporária do pagamento de taxas como  ISS, IPTU, entre outras. A categoria também solicita acesso imediato a linhas de crédito.

O Plural questionou a Secretaria de Finanças sobre as demandas protocoladas. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não tinha parecer final do pedido, que foi encaminhado à Procuradoria Geral do Município para avaliação. A Procuradoria reforçou que segue em análise. A Prefeitura acrescentou que a Agência Curitiba está oferecendo atividades de capacitação gratuitas.

O resultado do descaso do poder público, segundo a Abrabar, é uma crise generalizada no setor. “Da mesma forma que vão avançando os números da covid-19, avançam os números de falência de empresas e vagas de emprego”, garante Aguayo. “Nessas situações, você vê o quanto fomos abandonados nessa travessia – e muitos morreram afogados. Nem na praia, no meio do mar mesmo.”

Visão de empresária

O bar Mãe fechou logo no começo da pandemia, no dia 16 de março. “Um dos funcionários chegou para trabalhar bastante apavorado porque tinha pego ônibus, e a nossa chefe de cozinha faz parte do grupo de risco. Essas informações bastaram pra gente tomar a decisão de fechar”, relembra uma das sócias do estabelecimento, Ane Adade.

A próxima tentativa do bar foi reabrir apenas para entregas. “A gente tentou por um mês manter o Mãe funcionando no delivery (entrega), mas a conta não fechou. Não conseguimos negociar aluguel, quase nada. Deu pra pagar os funcionários e só”, revela a empresária. Por fim, foi preciso reduzir jornadas para evitar demissões. 

“A gente não está tendo apoio de lado nenhum. Tudo o que eu aprendi como artista, estou usando dentro do bar, agora, para manter isso vivo”, diz Ane, que tem uma carreira consolidada como atriz e bailarina, mas resolveu empreender com o Mãe. Ela e a sócia, Ieda Godoy, inauguraram o bar cinco meses antes da pandemia.

Ane e Ieda à frente das entregas. Foto: Bar Mãe

Mesmo em meio à crise, a empresária garante que seu estabelecimento seguirá fechado. “Acho que reabrir os bares é uma tentativa de salvar a economia, mas vai contra o que a gente vem lutando. Também não acredito que vai resolver a situação, porque 95% dos nossos clientes preferem delivery sem contato. Apenas cinco ou seis clientes retiram na loja e todo mundo toma todos os cuidados. As pessoas não voltariam agora pro bar se a gente reabrisse”, avalia. 

“Fechamos sabendo que seria difícil, por que reabrir agora correndo os mesmos riscos?”, questiona Adade. “Estamos pagando o preço por essa escolha e posso dizer que é bem caro.”

Fechados pela vida

Ao longo da pandemia, 160 empresários de Curitiba aderiram ao movimento Fechados Pela Vida, contra a reabertura dos estabelecimentos. Nesta terça (26), o grupo voltou a se reunir para discutir o cenário e informa que muitos negócios optaram por retomar o funcionamento para evitar a falência. Leia a nota na íntegra.

FECHADOS, INCLUSIVE, COM QUEM REABRIU AS PORTAS

As medidas de suspensão de salários por 60 dias chegaram ao fim. E o fôlego dos pequenos negócios, também. Com a pandemia ainda fora de controle, a reabertura do comércio é uma realidade. Mesmo de portas abertas, pequenos empresários de todo o país vivem uma situação nunca vista.

A iniciativa “Fechados Pela Vida” surgiu há 40 dias para combater a reabertura prematura do comércio de Curitiba e a falta de planejamento econômico para o setor. Na ocasião, uma ação conjunta entre Associação Comercial do Paraná, Associação de Bares e Prefeitura da Cidade decretava a volta às atividades no dia 17 de abril. 

Na ocasião, a medida foi contida; e só essa ação já seria o bastante para validar nossa iniciativa e o seu papel pela preservação de vidas. 

Atuamos também junto ao Ministério Público que autuou a Prefeitura e trouxe a exigência de fiscalização por parte das secretarias de Saúde. 

Nossa mensagem também foi levada a outros estados: Santa Catarina, Tocantins, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro possuem representações locais da iniciativa.

Nossa atuação permanecerá ativa: exigindo não só dos assinantes do Movimento, mas de todo setor, responsabilidade e vigilância sobre questões sanitárias. E seguiremos cobrando o Estado para que estabelecimentos e colaboradores tenham condições reais de trabalhar com segurança.

A atuação do #fechadospelavida junto a políticos é órgãos competentes também permanece. Na pauta, estão programadas reuniões com a Promotoria Geral do Estado, Secretaria da Fazenda – Fomento PR.

Nossa comunicação via redes sociais seguirá ativa, promovendo conteúdos e denunciando qualquer tipo de displicência em relação à saúde e ao nosso setor. Além disso, grupos de discussão e estudos em favor do segmento seguem fortalecidos. Em breve, traremos estes materiais para apreciação pública.

A recomendação de afastamento social permanece. A população, com medo e sem poder de consumo. Os hábitos são novos – a realidade é nova. E, sem suporte financeiro ou qualquer plano de suporte estatal, o setor que mais emprega no país foi entregue aos leões.

Com a covid-19 ainda em ascensão, o cenário econômico segue nebuloso: em poucos dias tudo pode mudar. E novas medidas emergenciais poderão ser adotadas. E o fechamento ser, novamente, a realidade.

A falta de medidas econômicas que prolongaria o tempo de portas fechadas, a falta de vendas, conjunto à dificuldade de crédito junto às instituições financeiras – 6 em cada 10 empréstimos solicitados foram negados pelos bancos – trazem um claro reflexo: falências, demissões, atrasos em aluguéis e impostos. Em paralelo a isso, a necessidade imediata de remodelação do negócio – ou, até mesmo, retração do mesmo –. 

Essa é a nova realidade. E ela deveria ser motivo não só de preocupação do Estado, mas de trabalho e ações concretas. Mas, como citado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, “ajudar pequenas empresas é perder dinheiro”. 

Mesmo abrindo as portas para atendimento ao público reduzido, incentivando deliverys e pedidos no balcão, nossa iniciativa permanece fechada: fechada com a saúde de funcionários e clientes. Fechada pela valorização do nosso setor. E, acima de tudo, fechada contra o desrespeito do Governo, em todas as esferas, pelo nosso segmento.

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