Governo Bolsonaro censura Polícia Rodoviária e proíbe declarações sobre radares

Chefe da comunicação da PRF no Paraná perdeu o cargo por não respeitar regra imposta pelo governo. Acidentes cresceram 5%

Uma reportagem sobre o aumento no número de acidentes nas rodovias federais com a queda do isolamento social, exibida no dia 15 de maio pela Rede Globo, custou o cargo do chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal do Paraná (PRF-PR), Fernando César Oliveira. A perda da função teria sido, segundo relatos, porque a matéria estava “desalinhada” das atuais diretrizes da PRF. A alegação da diretoria executiva da PRF é que ações de fiscalização com radares portáteis não podem ser mostradas na imprensa. Além disso, o material supostamente faz uma defesa do isolamento social, que serve para ajudar a evitar a disseminação do coronavírus.

Os dois temas são considerados sensíveis ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente já declarou ser contra a manutenção de radares para fiscalização nas estradas e diz não acreditar na eficácia da quarentena para combater o coronavírus.

A dispensa de Fernando Oliveira, que comandava o setor de comunicação da PRF-PR desde 2017 e chegou a ser a fonte principal da reportagem da emissora, ocorre em um momento delicado da política nacional e reforçaria a a tese de interferência política na condução dos trabalhos na Polícia Federal e agora na PRF.

Radares

Em entrevista ao Plural, Fernando Oliveira explica que o assunto “radar” é considerado um tabu dentro da PRF. Em agosto de 2019, Bolsonaro assinou um despacho para suspender o uso de radares portáteis no país. A decisão foi revertida quatro meses depois pelo Judiciário. Contudo, mesmo com a decisão do presidente sendo derrubada, a questão ainda não podia ser abordada publicamente, principalmente em entrevistas à imprensa.

Segundo o ex-chefe da comunicação da PRF-PR, mesmo com a permissão para mostrar o uso de radares, as imagens de flagrantes de excesso de velocidade não são mais captadas com tanta frequência. O ex-assessor usou como exemplo as operações de Natal da PRF, no final de 2019, que não contou com a divulgação de dados de infrações de controle de velocidade, como em anos anteriores.

De acordo com dados da polícia rodoviária, durante os meses em que as estradas ficaram sem a ação de radares portáteis, o número de acidentes nas rodovias federais aumentou em 5%. Para o ex-chefe da comunicação, a matéria da Rede Globo não teve qualquer defesa expressa da PRF ao isolamento social. Segundo ele, os dados são apenas um detalhamento de uma pesquisa feita pela PRF em uma operação realizada em trechos com muitos acidentes nas rodovias.

Fernando Oliveira está há sete anos na Polícia Rodoviária Federal, três deles na comunicação. Jornalista por formação e policial rodoviário concursado, o ex-assessor diz acreditar que o seu desligamento não teve uma motivação justa. Ele deve retonar à área operacional da PRF.

Repercussão

A emissora veiculou a reportagem pela primeira vez em um programa matinal que integra sua grade nacional, o Bom Dia Brasil. A matéria foi exibida na sexta-feira (15) e repercutiu em vários setores do departamento onde Fernando Oliveira trabalhava e isso resultou na sua saída. Ele foi comunicado da dispensa na segunda-feira (18). A publicação do ato no Diário Oficial da União (DOU) veio na segunda-feira (25).

A reportagem foi baseada em dados da Operação Nacional de Segurança Viária, deflagrada no início do mês. A fiscalização tinha como foco 150 trechos, de dez quilômetros cada, espalhados pelas 27 unidades da federação. O foco era específico nos locais com maior número de acidentes, desde 11 de março, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) detectou a pandemia por causa do coronavírus.

O Paraná lidera o ranking dos estados com mais trechos de rodovias considerados críticos. Ao todo, são 23 dos 150. A RPC TV, afiliada local da Rede Globo, escalou uma equipe para cobrir uma das ações de fiscalização com radares da PRF. O local escolhido foi a BR-476, na Linha Verde, em Curitiba. O trecho está na quarta posição em número de acidentes.

De acordo com Fernando Oliveira, minutos após a reportagem ser veiculada, houve ao menos um telefonema de Brasília para a superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Paraná. O diretor-executivo da PRF no Distrito Federal teria dito que a matéria estava “desalinhada”, já que as imagens mostravam uma ação de fiscalização com radar móvel. A queixa era de que o material defendia o isolamento social.

Depois, por volta das 14 horas, Oliveira relata que a Superintendência Executiva da PRF do Paraná determinou que fotografias em alta resolução, onde apareciam radares, fossem “imediatamente” apagadas da plataforma Flickr, utilizada pela PRF como um repositório oficial de imagens. O ex-chefe da comunicação disse que não cumpriu a medida.

Foto: Reprodução / WhatsApp

Por volta das 18h30, Fernando Oliveira explica que a diretoria executiva da PRF no Paraná informou que os plantões extras previstos para a comunicação estavam cancelados. No mesmo horário, teria ocorrido uma série de alterações nas ordens de serviço que tratam da operação que estava em curso e das atividades relativas ao “Maio Amarelo”.

A mudança fez com que todas as ações de comunicação institucional da Polícia Rodoviária Federal passassem a ser centralizadas na Coordenação-Geral de Comunicação Social (CGCOM), em Brasília. Nesse caso, as autorizações para a realização de pautas e entrevistas com policiais em todos os estados brasileiros dependeriam da autorização de Brasília.

Na tarde de segunda-feira (18), Fernando Oliveira conta que foi desligado da função em uma reunião requisitada por ele. O ex-chefe da comunicação diz acreditar que a decisão já estava tomada antes do encontro.

Censura

Nas conversas de Fernando Oliveira com seus superiores na Polícia Rodoviária Federal, a que o Plural teve acesso, é possível perceber que a veiculação da reportagem rendeu uma série de mudanças no trabalho dos profissionais da comunicação institucional da PRF. Na ordem de serviço que regulamentou a Operação Nacional de Segurança Viária, todas as diretrizes devem passar por autorização prévia de Brasília.

Foto: Reprodução / WhatsApp

Segundo a nova ordem, todos os atendimentos à imprensa que forem produzidos pelas Unidades Regionais de Comunicação Social (URCS) devem ser encaminhados para a Divisão de Comunicação Institucional (DCI) em Brasília. Essa divisão vai avaliar a pertinência da demanda, visando a aprovação da publicação no site da Agência PRF, ou resposta e encaminhamento à imprensa regional.

De acordo com o ex-assessor, a reportagem estava alinhada ao documento original da ordem de serviço, que também foi assinada pela diretoria executiva da PRF. Além disso, ele diz acreditar que a reação de seus superiores seria diferente se realmente houvesse o suposto desalinhamento. No caso, não haveria apenas a mudança do texto original.

Para Fernando Oliveira, as novas diretrizes da PRF mostram um nível de centralização inédito na história recente da polícia. Segundo ele, isso é “surreal” para os padrões de uma polícia civil. O ex-chefe da comunicação afirma que em sociedades democráticas, a comunicação pública está entre as atividades essenciais para o exercício da cidadania.

De acordo com ele, as assessorias de comunicação dos órgãos governamentais – assim como as instituições policiais – devem ter o papel de facilitar o acesso às informações de interesse público para jornalistas e para a população de maneira geral.

O Plural entrou em contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para ouvir a posição do órgão sobre a saída de Fernando Oliveira, sobre as mudanças nas ordens de serviço e a determinação para excluir imagens de radares dos canais oficiais da PRF. Até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.

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