Decreto deixa enfermeiros com covid-19 sem proteção

Medida do governo Bolsonaro exige "nexo causal" para qualificar contaminação como acidente de trabalho

Como o Plural tem noticiado em primeira mão, os profissionais de saúde, em especial os da enfermagem, estão adoecendo com covid-19 enquanto trabalham no atendimento dos casos mais graves da doença. Em Curitiba há pelo menos uma enfermeira na UTI, em estado grave, após trabalhar em outra UTI com pacientes com o vírus.

No entanto, esses profissionais não tem garantido o acesso ao direito a estabilidade no emprego, seguro de vida para a família caso venham a falecer ou indenização no caso de seqüela, entre outros benefícios.

É que um decreto presidencial de 22 de março (ou seja, bem no início do agravamento da pandemia no país) estipula que :

“Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.”

Para a advogada especialista em Direito do Trabalho, Lazara Daniele Guidio Biondo Crocetti, essa estipulação de “comprovação de nexo causal” vai forçar os profissionais doentes a procurar, depois, a Justiça para tentar conseguir os benefícios. É que a lei 8.213 de 1991 diz em que “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho” (artigo 20, inciso II, item d).

“A interpretação desses dois dispositivos é que o covid-19 é endêmico, portanto não coberto como acidente de trabalho”, explica Daniele. O médico do trabalho João Carlos do Amaral Lozovey, da Universidade Federal do Paraná, na prática, o que acontece é que não é emitida a comunicação de acidente de trabalho quando o profissional adoece.

“Essa estipulação de que doença endêmica não é acidente de trabalho tem que ser vista no contexto. Uma situação é, por exemplo, do morador da Amazônia que acaba contaminado com malária, que é uma doença endêmica lá. Outra é quando, por conta do trabalho, alguém é deslocado para lá a trabalho e acaba contaminado. Esse segundo caso, ao meu ver, é acidente de trabalho”, defende.

Esta interpretação, no entanto, avisa Lozovey, não é consenso. Porque o covid-19 é uma pandemia, outros profissionais da saúde do trabalho têm defendido que não há como provar que um profissional de saúde se contaminou no local de trabalho, portanto a situação não pode ser classificada como acidente de trabalho.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, o percentual de trabalhadores da saúde afetados pela Covid-19 varia entre 8% e 10%. Para Lozovey, enfermeiros, médicos, mas também equipes de limpeza, alimentação e técnicos estão na linha de frente, atendendo pacientes em estado grave e altamente contaminantes e essa interpretação reduz a rede de proteção para quem adoecer.

Isso sem falar na situação de contrato desses profissionais. Entre os que estão no Sistema Único de Saúde, há diferentes vínculos de trabalho, inclusive terceirização, que já têm proteção reduzida.

“Num momento em que se exige tanto da comunidade da saúde, também se reduz a proteção que se oferece a eles”, diz a advogada Daniele Crocetti.

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