Enfermeiras são a verdadeira linha de frente da pandemia

Com trabalho intenso e mais de um emprego, essas profissionais vão de um hospital a outro e precisam de mais cuidado

Quando a redação do Plural recebeu a informação de uma enfermeira do Marcelino Champagnat estava numa UTI com Covid-19, isso, para mim, era muito mais que um pauta importante. Durante nove meses meu pai, que faleceu há pouco mais de um mês, foi tratado no Hospital e ficou inúmeras vezes na UTI.

As enfermeiras lá são mais que um número. Elas foram por meses um apoio importante no cuidado com meu pai. E fundamentais para que ele, apesar de tudo, não tivesse sofrido além daquilo que o câncer causa e que não é possível reverter.

Nos longos dias de acompanhante na UTI do Marcelino, às vezes temos a oportunidade de conversar uma ou outra vez com um/a médico/a. Mas quem, de fato, está o tempo todo conosco, são as enfermeiras. São elas que executam o plano de ação estabelecido, que monitoram a condição dos pacientes, que alertam a equipe médica quando há alterações.

O Marcelino Champagnat é um hospital novo, moderno, construído ao lado do Hospital Cajuru, mas ao contrário do vizinho, ele atende só pacientes particulares e alguns convênios. Nada de SUS.

Diferente de outros hospitais pelos quais passei com meu pai, tudo lá é muito novo. A UTI é ampla, ocupa mais da metade do sexto andar do prédio principal. Os quartos (ou boxes, como chamam) de cada paciente são amplos e bem separados uns dos outros.

Há algumas unidades específicas para isolamento que contam com uma antessala para que quem entra e sai possa se higienizar, por e tirar equipamento de proteção, lavar as mãos.

Nas inúmeras vezes em que meu pai ficou internado lá acompanhei o dia frenético das enfermeiras, Mais precisamente, das auxiliares e técnicas de enfermagem, que são responsáveis pelo atendimento mais direto aos pacientes. São elas que dão banho, aplicam medicações, fazem exames de glicose, esvaziam bolsas de urina, trocam curativos.

Uso aqui o feminino porque é raro ver um homem entre elas. É uma profissão predominantemente feminina, como são as profissões que envolvem cuidado, infelizmente.

E como tal, não oferecem o retorno financeiro adequado. Conversei com muitas enquanto estive lá e elas tentavam animar meu pai. Nesses papos percebi que a maioria tem dois empregos. Faz plantões de 12 horas em um lugar e emendam outro de 6 ou 12 em outro antes de ir para casa descansar a tempo da próxima jornada.

Apesar da rotina certamente exaustiva, nunca as vi reclamar. Estão sempre no que eu passei a chamar de modo animação. Brincam umas com as outras, se provocam, brincam com os pacientes e acompanhantes. Mantém um otimismo irreparável, mesmo quando a situação é certamente pesada.

No Marcelino, vi elas acompanharem famílias inteiras se despedindo de um parente em estado terminal. Assisti lidarem com pacientes e familiares grosseiros, difíceis. E com as exigências constantes do ambiente hospitalar.

Já no Erasto Gaetner, para onde meu pai foi nos últimos meses antes de falecer para tentar um tratamento contra o tumor, entrei numa UTI quase vazia. Quatro dos dez pacientes internados haviam falecido durante a madrugada.

São as enfermeiras também que aguentam o melhor e o pior dos pacientes e seus familiares. É nelas que chegam as reclamações, as frustrações, até mesmo o tédio. Elas que precisam explicar que o apito no painel não é uma emergência, nem o som do respirador indica desconforto ou dor para o paciente.

Ninguém numa UTI está ali contente. É um ambiente pesado, de fragilidade, de sofrimento. E são elas que lidam com tudo isso de forma mais constante e intensa.

Sou profundamente grata as enfermeiras que cuidaram do meu pai. E agora, nesta situação de crise grave que vivemos, me sinto na obrigação de vir aqui para dizer: elas estão na linha de frente. Elas SÃO A LINHA DE FRENTE ao lado de milhares de outras mulheres (fisioterapeutas, equipe de limpeza etc).

E como tal mereciam nosso respeito e MAIS ABSOLUTO CUIDADO. Se não por justiça, que seja por racionalidade, porque pagar a alguém um salário que o empurra para um segundo ou terceiro trabalho não é só ruim. É um risco de saúde pública. E é mais uma coisa que o Covid-19 está ajudando a escancarar.

Obrigada enfermeiras, por tudo que vocês fizeram. Mas principalmente por tudo que vão ainda fazer.

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