Série na HBO mostra como políticos usam o ódio para ganhar votos

“Complô contra América” imagina uma realidade em que americanos apoiam nazistas durante a Segunda Guerra Mundial

“Existe muito ódio por aí e ele sabe como explorar isso”, diz Herman Levin, conversando com um vizinho do lado de fora de casa. Os moradores daquela região de Newark tinham esse hábito nos anos 1940: terminavam de ouvir as notícias no rádio e saíam às ruas para fumar e conversar sobre as últimas.

E as últimas eram que o aviador Charles Lindbergh (a quem Herman se refere), o primeiro homem a cruzar sozinho o Oceano Atlântico pilotando um avião, havia lançado sua candidatura à presidência dos Estados Unidos. Ele estava concorrendo com Franklin Roosevelt com uma plataforma de campanha que se resumia às mesmas palavras que ele repetia em todos os lugares por onde passava: que a eleição não era uma escolha entre Lindbergh e Roosevelt, mas uma escolha entre Lindbergh e a guerra.

A guerra a que ele se refere é a Segunda Guerra Mundial e ela é o contexto em que se desenrola a minissérie em seis episódios “The Plot Against America”, que a HBO exibe há duas semanas (o terceiro episódio saiu nesta segunda-feira, dia 30). “O complô contra a América” é também um livro escrito por Philip Roth (1933-2018) que deu origem à série.

Na história, Roth usa personagens históricos para explorar uma ideia assustadora: o que teria acontecido se, em vez de Roosevelt, Lindbergh tivesse vencido a eleição presidencial e mantido os Estados Unidos fora da guerra, endossando a ofensiva alemã sobre a Europa. De fato, o aviador simpatizava com os nazistas, fazia parte de um movimento chamado America First (ou América em primeiro lugar) e chegou a visitar a Alemanha para conhecer a indústria aeronáutica do país e bater um papo com Hitler.

Na ficção, a vitória de Lindbergh acaba legitimando o preconceito contra judeus dentro da América e, especificamente, em Newark, no estado de Nova Jersey, terra natal da família judaica de Roth.

Charles Lindbergh (Ben Cole) recebe a bênção do rabino Lionel Bengelsdorf (John Turturro).

A adaptação de David Simon e Ed Burns, famosos pela série “A escuta”, é talvez a melhor transposição de um livro de Philip Roth para as telas. E não só pela extensão da narrativa – os seis episódios devem somar mais de seis horas de duração –, mas porque “O complô contra a América” é diferente de todos os outros livros de Roth.

O autor de “Pastoral americana” e “Homem comum” tinha uma forma muito peculiar de escrever e uma parte importante da experiência de ler Roth é percorrer esse texto sem malabarismos textuais, sem exibicionismos, em que todas as palavras parecem necessárias (que é outra forma de dizer que todas as palavras desnecessárias foram cortadas do texto). Um bom tanto do valor de um livro escrito por Philip Roth está então na forma como diz as coisas e não tanto nas coisas que ele diz. Diferente, por exemplo, da obra de um George R. R. Martin, em que o mundo criado parece ter mais importância do que o texto que descreve esse mundo.

“O complô contra América” destoa dos outros livros de Roth justamente porque o autor parece investir uma quantidade maior de suas fichas na realidade alternativa que imagina e menos na forma do texto que coloca essa realidade de pé. O livro é mais conteúdo do que forma. Mais trama do que estilo.

David Simon e Ed Burns extraem esse conteúdo do livro e o traduzem em imagens: é uma reconstituição de época impecável com roupas, carros, rádios e brincadeiras de criança. Os dois primeiros episódios, para você ter uma ideia, servem apenas para apresentar personagens e descrever o ambiente em que vivem. É só no terceiro episódio, o desta semana, que a tensão e o medo causado pelo racismo de Lindbergh começam a aparecer – um racismo que acaba legitimando o ódio de outros americanos dentro dos Estados Unidos.

Se acabasse hoje, já seria uma série ótima. Ainda faltam três episódios. Meu palpite é de que eles serão arrebatadores.

Serviço

“The Plot Against America” (O complô contra a América) é exibido pela HBO às segundas-feiras, sempre às 22h. Para ter acesso à minissérie, você precisa assinar a HBO em algum serviço de tevê paga ou optar pelo streaming do canal, HBO Go (que oferece os três episódios exibidos até o momento).

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