Liberação de pesca durante piracema é suspensa no PR

Tribunal de Justiça invalida resolução do governo estadual de antecipar pesca em período de reprodução dos peixes

Com a máxima “pesca e solta”, o secretário estadual do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Márcio Nunes (PSD), voltou às redes sociais neste sábado (22) para alertar os pescadores sobre o que chamou de “pendenga judicial”. Ele se refere à suspensão judicial da liberação antecipada de pesca durante a piracema, período de desova dos peixes. A atividade havia sido autorizada, nesta semana, por uma resolução do governo de Ratinho Jr (PSD).

A normativa 13/2020, no entanto, vai contra lei federal que proíbe a pesca durante este período e foi realizada “sem referência a qualquer fundamento ou estudo técnico prévio efetivamente justificador de tal antecipação”, afirma o juiz Daniel Alves Belingieri, na liminar de suspensão, solicitada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR).

A suspensão se deu ainda nesta sexta-feira (21), um dia após a liberação da atividade nos rios do estado. A decisão judicial acusa “risco grave e iminente quanto à ocorrência de danos ambientais previamente indeterminados à fauna aquática, à biodiversidade marinha e aos recursos pesqueiros”.

A restrição começou em 1º de novembro e se encerra no dia 1º de março. A piracema foi instituída há 11 anos pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama) e “encontra efetivo amparo e lastro em estudos técnicos tendentes a proteger a fauna aquática, não podendo uma mera Resolução de Secretaria Estadual, emitida em contrariedade à Constituição Federal e à lei, aparentemente sem qualquer amparo científico, suplantar tal disposição legal por aspectos discricionários e obscuros que não atendam efetivamente o interesse público no caso concreto”, aponta o juiz nos autos, ao determinar a imediata suspensão da normativa estadual.

“Enquanto corre essa pendenga judicial, quero pedir pra você que já está no rio, ou que está indo pro rio, se você pescar uma espécie nativa, pesca e solta. Pra demonstrar com muita clareza que, acima de tudo, nós respeitamos as leis, somos honestos, trabalhadores e não queremos nos incomodar na hora do nosso lazer”, diz o secretário Márcio Nunes em seu novo vídeo.

Para os servidores do estado que trabalham com o meio ambiente, também teve recado. “Pra você que trabalha no batalhão Força Verde, no IAT (Instituto Água e Terra), no Polícia Rodoviária, na Polícia Militar e no ‘Verão Maior’, em todas as áreas do Paraná, peço que você oriente os pescadores. Se pegar uma (espécie) nativa, pra evitar incomodação (sic), pesca e solta.”

Análise

Procurados pelo Plural, profissionais no Direito Ambiental e na Ecologia e Conservação fazem uma análise da decisão do governo de antecipar o fim da piracema.

“Esta liberação é absolutamente inconstitucional pois bate de frente numa legislação federal, o artigo 225 da Constituição, segundo o qual é dever do Estado preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Quando você acaba com a piracema, você acaba com o meio ambiente para as próximas gerações”, avalia a mestre em Direito Ambiental e membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PR, Melissa Pilotto.

“O Estado não tem competência para legislar. Isso é uma conveniência, um compadrio pra poder liberar os amigos pra pescar no Carnaval. Se fosse uma liberação consciente não seria às vésperas de um feriado. Ou você libera com planejamento e sustentabilidade, ou não libera. Não existe isso de pegar e soltar de volta na água. Como a pessoa vai saber que é um peixe proibido ou não, se não há informação? É um absurdo”, ressalta a advogada.  

A falta de campanhas de educação ambiental também é citada pelo doutor em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o biólogo Matheus Oliveira Freitas. “Como dizer ao pescador pra ele pescar e soltar os peixes proibidos na piracema se ele não tem conhecimento das espécies e dos tamanhos mínimos para serem capturados”, questiona ele.

“Não há guias, manuais ou informações detalhadas para eles ou os visitantes. Isso tudo tem que ser pensado, numa política de governo que envolva outros setores. Mas não se veem comitês ou reuniões periódicas sobre a necessidade de políticas públicas que preservem as espécies. Não se preserva o que não se conhece”, destaca o biólogo do Museu de História Natural de Curitiba e do Instituto Meros do Brasil.

De acordo com ele, mudanças nos critérios da piracema precisam ser baseadas em consultas com especialistas e técnicos e envolver diversos setores da sociedade, o que não houve. “O que houve foi um atendimento à demanda de pescadores esportivos. Talvez não tenham pensado nos pescadores que têm os peixes como recurso de sobrevivência”, enfatiza Freitas.

Dourados

A falta de informação, percebe o doutor em Ecologia e Conservação, parece ter chegado ao próprio secretário do meio ambiente. “No vídeo tem um equívoco que não condiz com a legislação, pois ele fala que não se pode pescar Dourado no Paraná, mas esta espécie de peixe foi introduzida há 10 anos na bacia do rio Iguaçu, onde não há ocorrência natural dela. Desta forma, a lei ambiental prevê que eles devem e precisam ser abatidos nesta região. Vídeos como o dele têm proporções muito grandes, tem que tomar cuidado”, alerta.

Segundo o biólogo, muitas vezes, a introdução de novas espécies é incentivada por associações de pesca, para fomentar o esporte, o que, além de ilegal, traz graves problemas aos rios e peixes. “As pessoas precisam se basear em dados técnicos. Você não pode introduzir uma espécie num rio e ver fomentos e campeonatos de pesca, inclusive na bacia do rio Iguaçu.”

Entre as consequências, a superpopulação de espécies exóticas e a extinção de espécies nativas, um impacto também para os pescadores.

Governo vai recorrer

A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest) informou que a mudança de datas da piracema está baseada em estudos técnicos e pesquisas realizadas por especialistas em pesca, a respeito da dinâmica das espécies de peixes que povoam a Bacia do Paraná.

“Um parecer técnico assinado pelo engenheiro de pesca Taciano Maranhão, mestre em recursos pesqueiros e em engenharia de pesca, sustenta a emissão da resolução, e demonstra que a reprodução das espécies não será prejudicada”, diz a nota.

“O documento pontua que alterações ambientais, entre elas a elevação da temperatura da água, anteciparam o período de reprodução das espécies, e que a partir de janeiro já não há mais desova.”

“Em paralelo à decisão de adequar o período de defeso em rios paranaenses, o Estado busca entendimento junto aos órgãos federais de meio ambiente para que a medida se estenda também aos rios federais que banham o Paraná. Iniciativa semelhante já foi adotada pelos governos do Paraguai e Argentina para suas respectivas bacias hidrográficas”, defende a secretaria.

A resolução 13/2020 foi publicada em 20 de fevereiro e republicada, com correções, no dia 21 de fevereiro. Ela alterava o período da piracema (proibindo pescas de espécies nativas) para o período de 1° de outubro a 1° fevereiro.

Sobre a suspensão da liberação da atividade no Carnaval, o governo afirmou que está recorrendo da decisão judicial.

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