Podcast – Para que serve um filósofo?

Perguntam sobre a “utilidade" dos filósofos. É uma pergunta pertinente, pois os filósofos não são úteis para quase nada

Soube dessa história contada por Cícero. Pitágoras estava em uma cidadezinha do Peloponeso e o tirano local, um tal de Leonte, perguntou-lhe o que ele fazia na vida. Pitágoras então disse: sou filósofo. Leonte fez aquela cara com a qual  a gente fica quando o atendente do hotel daquele país estrangeiro cuja língua você não domina fala muito rápido e espera que você dê uma resposta. Filósofo? Para explicar, Pitágoras  contou uma história: veja, meu caro tirano, nas Olimpíadas há aquelas pessoas que ganham vendendo coisas e há aquelas que ganham as provas que disputam. Umas ficam felizes com seus lucros, outras com os louros que recebem. Pois bem, o filósofo é aquele que observa tudo isso acontecendo sem ganhar nada nem torcer por ninguém, mas buscando saber sobre tudo o que se passa. O filósofo ama saber das coisas, embora não conheça nenhuma em profundidade: nem a arte de vender e nem a de saltar ou correr.

Também Nietzsche diz algo sobre os filósofos e para isso, igualmente, conta uma história. Há dois caminhantes, percorrendo trilhas no meio das matas. Diante de um rio, um deles se detém e não avança enquanto não souber exatamente como fazê-lo. Tem o “espírito calculador”, precisa conhecer o que faz para fazê-lo com exatidão. O outro, porém, avança pelo rio sem medo ou cuidado excessivo. Escorrega, afunda, levanta, engole um pouco de água, rala o joelho e chega ao outro lado esfuziante. O primeiro caminhante olha aquilo e se inspira. Agora pode calcular a partir da experiência vivida pelo colega. Este é o cientista, diz Nietzsche. O que ousa é o filósofo.

A sabedoria não é qualidade do filósofo, mas sim a sua busca. Sábio é quem sabe e, por isso, chegou lá. Sócrates já dizia, na frase célebre, que uma vida sem questionamento não vale a pena ser vivida. O que há para questionar – e para viver – quando temos todas as respostas?

Hoje perguntam sobre a “utilidade” dos filósofos. De fato, é uma pergunta pertinente, pois que os filósofos não são úteis para quase nada. Via de regra, como se dizia de Tales de Mileto, os filósofos têm a cabeça nos astros e nem sabem por onde andam na terra. Como poderão ser úteis? Ser útil é fazer algo que serve para um fim específico e que resulta em um ganho de tempo, esforço, dinheiro. Como querer isso do filósofo?

Pitágoras tem seu nome associado à matemática, o que seria, por si só, um desmentido da falta de utilidade. Mas o que Pitágoras buscava com a sua matemática era ver e ouvir a beleza do mundo, aquilo que ele chamou de harmonia e que ocorria quando um fenômeno da natureza podia ser descrito por meio dos números. A razão como parceira da emoção, como meio para aprimorar a sensibilidade. Afinal, como podemos imaginar que a razão se oponha ao corpo que lhe fornece as evidências para refletir? O corpo que sente, que sofre, que rala é também a morada da alma que observa, analisa, sintetiza e multiplica, tornando o mundo compreensível e, por isso, mais admirável ainda. 

Não foi por outra razão que Nietzsche disse, no seu Além do Bem e do Mal: “a maturidade do homem consiste em ter recuperado a seriedade com que ele brincava como quando criança”. Não é a seriedade sisuda e consequente, mas aquela que é fruto de tudo o que é desejado e intenso que nos faz adultos. Não ficamos adultos porque aprendemos a calcular, executar, vender e lucrar. Tornamo-nos adultos porque aprendemos a buscar um sentido para nós e para o mundo, sabendo que não há uma resposta na prateleira, fabricada, impessoal. O filósofo é esse provocador, esse incansável amigo do conhecimento, no belo sentido que Montaigne deu à amizade: porque era ele, porque era eu.

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