Cidade tenta salvar cachoeiras e consegue sua primeira vitória

IAP informa que até segunda ordem, as licenças para as hidrelétricas que mudariam curso de rio encontram-se desde o segundo semestre deste ano suspensas

O curso da água do Rio dos Patos pode ser impactado para sempre. O turismo pode nunca mais ser o mesmo e a diversidade ambiental corre risco de sofrer sérios danos. Desde meados de 2011, o risco de essa realidade ser concretizada assombra a cidade de Prudentópolis, na região central do estado e localizada a cerca de 200 km de Curitiba. A construção de uma nova Pequena Central Hidrelétrica (PCH) nas cachoeiras do Salto Manduri e do Salto Barão do Rio Branco, ambas no Rio dos Patos, voltou a ser tema de discussão e disputas judiciais no município. Essa usina seria construída pela empreiteira Dois Saltos, e incluiria a construção de um túnel e canais interligando as duas quedas d’água.

O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) concedeu em 2012 a licença prévia para o empreendimento. No entanto, o IAP informa que até segunda ordem, as licenças encontram-se desde o segundo semestre deste ano suspensas. “O órgão aguarda decisão entre município e Ministério Público sobre a Anuência de Uso e Ocupação do Solo, na qual é necessária para emissão da Licença Prévia”, explica o IAP, por meio de nota oficial. A medida aconteceu após atuação da promotoria pública que em julho deste ano emitiu uma recomendação para que a anuência da licença fosse reavaliada pela prefeitura da cidade.

O promotor Ricardo Scartezini Marques determinou no documento que a prefeitura realizasse “a revisão e anulação das anuências municipais para instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no município de Prudentópolis”. Segundo Marques, a construção da PCH não é legalmente permitida “em razão da incompatibilidade da instalação de tais empreendimentos em Zona Especial de Conservação (ZEC), notadamente nas áreas ciliares de todos os cursos d’água do município”.

Segundo a lei municipal, essa Zona Especial de Conservação inclui Unidades de Conservação, Áreas de Proteção Especial e Reservas Indígenas. Nessa Zona, os usos permitidos são apenas: preservação e recuperação; pesquisa científica; educação ambiental; e atividades turísticas. “Todos os demais usos” são proibidos, conforme aponta a legislação.

O promotor determinou ainda que o IAP fosse comunicado imediatamente da recomendação. Dessa forma, a construção de qualquer usina na cidade foi suspensa. Inclusive a edificação da hidrelétrica São João II que teria as obras iniciadas, segundo o MP, em julho deste ano, no Rio São João. A PCH São João II estaria localizada fora dos limites do Monumento Natural Salto São João, segundo documento do estudo de impacto ambiental.

A prefeitura de Prudentópolis informa apenas que o Plano Diretor da cidade será alvo de reanálise no próximo ano e que a legislação em relação a empreendimentos hidrelétricos no município pode entrar na pauta de discussões.

Luta antiga e atual

O município de Prudentópolis é conhecido como a ‘terra das cachoeiras gigantes’. São cerca de cem cachoeiras catalogadas em todo o seu território. O Salto São Francisco é considerado o maior do Sul do Brasil com 196 metros de altura. Por esta característica marcante, o município é também bastante procurado para a implantação de pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs.

Desde o início da década de 1940 o município já é alvo da instalação de empreendimentos hidrelétricos. A primeira PCH instalada foi a “Rio dos Patos”, em 1946. A segunda, denominada PCH “Salto do Rio Branco”, foi criada em 1956.

Atração turística recebe gente de vários lugares. Foto: Bruno Santos

Atualmente, são 13 projetos de empreendimentos de geração de energia hidrelétrica junto ao Rio dos Patos e ao Rio São João até a nascente do Rio Ivaí, que podem afetar alguns saltos, como São João, Manduri, Barão do Rio Branco, Sete e Consul Pool. O levantamento foi realizado e disponibilizado pelo promotor público Robertson Fonseca de Azevedo.

Todavia, o caso mais emblemático no município está relacionado justamente à PCH “Dois Saltos”, que afetaria duas quedas das mais visitadas pelos turistas e as mais próximas do centro da cidade – cerca de 7 km de distância. A área diretamente afetada pelo empreendimento corresponde a 300 hectares e inclui 17 propriedades rurais, o ponto turístico de lazer Recanto Jacob Rickli, bem como os Saltos Manduri e Barão do Rio Branco.  

A possibilidade da edificação desta usina foi a responsável pelo surgimento de um movimento popular, chamado “Gigantes”, criado para defender as cachoeiras de Prudentópolis e que conta com cerca de 300 pessoas.

O promotor Robertson de Azevedo explica que esse debate vem sendo realizado há alguns anos. “Algumas das cachoeiras afetadas são próximas da rodovia, o que facilita o acesso dos turistas. O que acontece é que se dão valores diferentes para a mesma coisa. De um lado tem o interesse público e da população em preservar o que existe e fortalecer o turismo e de outro o interesse privado de construir uma usina. Sendo que o Paraná já é autossuficiente em produção de energia elétrica”, afirma.

Ele aponta ainda os riscos de construção de PCHs afetar o meio ambiente local. “Sem falar de bens materiais que podem se perder por causa da construção de uma usina e também gerar perda de terras férteis”, afirma Azevedo.

A secretária de Turismo da cidade, Cristiane Guimarães Boiko Rossetim, afirma que o tema das construções das PCHs na cidade é antigo e polêmico. “Me reuni com algumas das empresas de PCHs e sempre dialogo para que as normativas ambientais e de respeito ao turismo sejam cumpridas”, diz. Ela afirma ainda que sua preocupação principal é para que os pontos turísticos tenham estrutura para receber os visitantes, com normas de segurança e de acessibilidade.

Gigantes

O movimento “Gigantes” formado em 2012, após a apresentação do relatório de impacto ambiental da usina Dois Saltos, nasceu com o propósito de lutar a favor do turismo, do comércio e do meio ambiente da cidade de Prudentópolis. O grupo já realizou, desde então, diversos protestos contra a construção de PCHs no município.

Um dos porta-vozes do movimento é o empresário Gerson Renato Tozetto, que atua no ramo do turismo na cidade. Para ele, é necessário investir no desenvolvimento sustentável do turismo. “Com a construção de usinas o impacto no turismo é enorme. Só no meu hotel estimo que seria cerca de 500 pessoas a menos por ano. O Salto do Barão do Rio Branco, por exemplo, é um dos mais visitados por ser de fácil acesso e perto da cidade”, afirma.

Tozetto aponta ainda que serão realizadas novas campanhas de conscientização e que será realizado um processo jurídico para pedir a nulidade de qualquer obra de hidrelétrica na cidade. “A lei municipal não permite isso. A lei deve ser cumprida e vamos fazer nossa parte”, complementa.

Hidrelétricas poderiam prejudicar economia e patrimônio da cidade. Foto: Bruno Santos

O comerciante Antônio Souza dos Santos também é contrário à construção de mais usinas na cidade. “Sou é a favor de arrumar a estrutura que existe para que possa gerar mais emprego e renda. Somos uma cidade turística e deveríamos investir nisso”, afirma.

A opinião contrária à construção de usinas encontra coro nos estudantes. O universitário Matias Kastl Júnior considera uma grande “besteira prejudicar o meio ambiente”. “O Salto do Barão é um dos mais visitados. Adoro aquele lugar. Temos um potencial de turismo enorme. Não se acha a quantidade de cachoeiras que temos em qualquer cidade e é preciso manter essa beleza natural viva sem a interferência de empreendimentos que coloquem esses lugares em risco”, salienta.

A estudante Amanda Zaroski compartilha da mesma visão e caracteriza a edificação de novas PCHs como “ridícula”. “A nossa cidade tem um foco no turismo. Construir usinas pode colocar isso em risco”, opina.

Reportagem produzida pelo núcleo de jornalismo investigativo do Observatório de Justiça e Conservação.

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