Fragmentos de um discurso amoroso

Série “Modern Love” fala de amor sem buscar o final feliz fácil

A ideia é tão boa. Transformar a coluna “Modern Love” em uma série de tevê (ou de streaming, como é o caso, já que a adaptação foi bancada pelo Prime Video, da Amazon).

Há 15 anos, o “The New York Times” publica uma coluna em que leitores do jornal contribuem com textos sobre suas histórias de amor. “Modern Love” tem enredos açucarados, às vezes bregas ou absurdamente românticos. E tem também relatos originais que não são ingênuos nem buscam um final feliz fácil.

A série, assim como a coluna, também se chama “Modern Love”, e estreou no Amazon Prime na última sexta-feira (18). São oito episódios independentes um do outro, com mais ou menos 30 minutos de duração cada um. Para escrever este texto, vi quatro dos oito episódios e estou curioso para ver os outros quatro.

Embora não sejam exatamente comédias românticas, as histórias se passam todas em Nova York e mostram um senso de humor e uma inteligência que faz pensar em Norah Ephron (diretora de “Harry e Sally – Feitos um para o outro”, de 1989) e Woody Allen (o de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de 1977), dois nova-iorquinos célebres por filmes espertos e bem-humorados.

No primeiro episódio, “Quando o porteiro é seu melhor homem”, uma mulher jovem tenta engrenar em um relacionamento, mas nenhum deles dura muito tempo. Maggie (Cristin Milioti) herda o apartamento da família e agora vive sozinha em Nova York. Mas não completamente sozinha. O porteiro do prédio, um estrangeiro de origem obscura e sotaque pesado serve como uma espécie de figura paterna que tenta proteger a moça de predadores do sexo masculino.

Tina Fey e John Slattery formam um casal que parece saído de um filme do Woody Allen. (Divulgação)

Diante de um dos casos de Maggie, o porteiro dá uma olhada no sujeito quando eles passam pelo saguão e, mais tarde, conversando com ela, diz na lata: “Ele não vai ligar. Ele não é o homem para você”. E ele sempre acerta. Um evento inesperado acaba aumentando a cumplicidade dos dois, e obriga a moça a tomar uma decisão. O amor, enfim, não é só romântico.

No segundo episódio, “Quando o cupido é uma jornalista curiosa”, um jovem empreendedor conversa com uma repórter para promover seu aplicativo de namoro. No fim da entrevista, ela pergunta: “Você já se apaixonou?”. A pergunta desconcerta o rapaz, que pede para desligar o gravador. A repórter desliga e ele conta da garota por quem é apaixonado e que não vê há dois anos. Aqui, você pode pensar que o fim é previsível, o rapaz decide procurar a moça por quem está apaixonado, apesar de ela estar noiva e com um pé no altar. A sacada aqui é que a jornalista – uma mulher de seus quarenta e tantos anos, casada e com três filhos – decide a sua experiência com histórias de amor, uma experiência frustrante que a marcou para sempre.

É como se a jornalista fosse a resposta para a pergunta: “E depois?”, que nenhuma comédia romântica se dispõe a responder (talvez porque aí não seria mais uma comédia).

Ao contar histórias de amor e desamor, “Modern Love” tem uma leveza surpreendente. Essa abordagem permite que a série fale de temas difíceis como bipolaridade (no episódio três, com Anne Hathaway) e um casamento em crise (no quatro, com Tina Fey), de modo que os problemas não pareçam impossíveis de lidar. Você sempre sobrevive aos piores dias da sua vida.

Além da série, a coluna  “Modern Love” inspirou também um podcast, sempre defendendo a ideia de que compartilhar histórias ajuda um bocado, sejam elas sobre o fardo de uma relação, a solidão, ou uma doença. É bom tanto para quem conta a história quanto para quem está no público…

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