Itiban faz 30 anos com um interesse genuíno por arte, cultura e pessoas

Primeira loja de Curitiba especializada em quadrinhos, a livraria prepara uma festa neste sábado (12) para marcar a data

A história de três décadas da Itiban, a primeira loja especializada em quadrinhos de Curitiba, começa – na verdade – em 1985, no Madame Satã, em São Paulo. Foi lá que o músico curitibano Luiz Francisco Lima Utrabo, o Xico, conheceu a jovem Selma Mitie Taketani, a Mitie, então com 19 anos.

Ele, com 27 – ou quase 30, como prefere pontuar – passava mais uma temporada fora da capital paranaense. Em meio aos efervescentes anos 1980, Xico já havia passado por lugares como Uruguai, onde estudou violão e guitarra clássica, Argentina e Espanha, onde morou por cerca de cinco anos. A mudança para a capital paulista foi motivada pelo guitarrista com quem tocava na banda Máquina Zero.  

Originária do interior de São Paulo, a família de Mitie era composta por cinco irmãos – além do pai e da mãe – cada um, à sua maneira, ligado à cultura. Antes dos 20 anos, ela tocava piano, já havia se envolvido com dança, trabalhado em uma livraria e deixado o curso de psicologia para trás.

Xico e Mitie se conheceram em 1985, em São Paulo. Juntos desde então, comandam há 30 anos a Itiban. Foto: Isabela Nishijima

Foi em meio à cena underground do Madame Satã que o casal se conheceu. “Era o lugar que tinha os shows mais legais. Toda banda daquela época que estava surgindo, estourando, tocava lá”, diz Mitie, hoje com 53 anos, com o corte de cabelo assimétrico, tatuagens ornamentando ambos os braços e uma camiseta preta com uma estampa em padrões coloridos luminosos.

Apaixonados, e imersos no universo cultural, a dupla frequentava o Cine Belas Artes e a cena local de música. Os quadrinhos foram apenas mais um dos pontos de encontro do casal. A capital paranaense surgiu como uma oportunidade de começarem uma vida melhor juntos: a cidade era mais tranquila, mais organizada. “Comparada com outros lugares, isso aqui é um paraíso”, diz Xico, hoje com 60 anos, cabelos e costeletas brancos e tatuagens de cores vibrantes nos braços.

A ideia era, logo de cara, trabalhar com quadrinhos – algo que ainda não existia em Curitiba. Assim nasceu, em outubro de 1989, a Itiban – nome derivado da palavra japonesa ichibam, que significa “primeiro lugar”. Localizada na Visconde do Rio Branco, a primeira loja funcionava como uma banca, vendendo jornais e revistas. “Mas já tínhamos essa visão, de que o negócio eram as histórias em quadrinhos. E foi o que aconteceu, rapidamente. Na verdade a história do jornal não durou seis meses”, diz Xico.

Para Mitie, foram os quadrinhos importados – no início do negócio – que trouxeram um diferencial. Foto: Isabela Nishijima

A banca nem sequer tinha telefone e todos os contatos com a distribuidora Devir, em São Paulo, eram feitos por meio do orelhão. Os pedidos chegavam pelo correio. Aos poucos, a dupla passou a oferecer aos clientes opções de quadrinhos importados do mercado americano – já consolidado. A diversidade de publicações independentes e mangás aumentou o leque de opções: “Aqui [no Brasil], tinha mais super-heróis, graphic novels, humor… Os importados eram o nosso diferencial”, diz Mitie.

Nessa época, a loja já era frequentada por figuras como o jornalista Aramis Millarch (1943-1992) – que se tornou amigo pessoal do casal – e o cineasta Valêncio Xavier (1933-2008). Outros tantos nomes da cena local marcaram presença na história da Itiban – como Leminski e Alexandre Cabral. Mitie ainda lembra a primeira vez que saiu na noite curitibana e viu na mesa do bar um monte de artistas. “A qualidade da produção artística da época era forte. [Havia] pessoas muito talentosas no teatro, na poesia, na música e na literatura”, diz. O convívio com tantos artistas foi, para Xico, a melhor coisa de Curitiba. “Esses contatos se traduziram aqui na loja, na curadoria, na visão”, diz Mitie.

Da Visconde para a Silva Jardim, passaram-se dez anos (e um segundo endereço, na Marechal Floriano Peixoto). Na Silva Jardim, atrás da fachada cor de rosa, a família passou os últimos 20 anos formando leitores nas redondezas da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR). “Gerações passaram por aqui nesses 30 anos, sem dúvida”, diz Xico, o homem das histórias. Morando na Europa, o músico presenciou momentos cruciais do desenvolvimento dos quadrinhos, como quando quadrinistas passaram a atuar no cinema, com storyboards. Ele também presenciou – in loco – a Guerra das Malvinas, e os atentados do 11 de Setembro. Da dupla, é o autointitulado sexagenário, que enumera fatos e curiosidades do mundo dos quadrinhos, como a história por trás da criação da capa de “Sandman”, de Neil Gaiman.

“Eu sou o lado mais racional da coisa, o lado mais duro. A Mitie tem um lance mais romântico. E acho que isso é um equilíbrio, até”, diz Xico. Se com ele ficam as análises, com ela estão as inquietudes dos sonhos e das ideias – como se a realidade da loja fosse feita da harmonia entre o que se deseja e o que se pode fazer.

Juntos há 33 anos, as divergências são visíveis: ele acredita no fim do impresso, ela acha que é só uma mudança na forma de consumo; ela é mais política, ele é mais ponderado. Mas talvez seja esse o segredo da dupla para fazer as coisas funcionarem. Além – claro – do amor.

A Itiban é uma escolha de ambos, uma construção que se fez ao longo dos anos como uma colcha de retalhos costurada por muitas mãos. Além de refúgio, o lugar se tornou um catalisador cultural, ligando pessoas, histórias e autores.

Hoje, além dos quadrinhos, a Itiban vende livros – adultos e infantis, ligados a temáticas diversas –, organiza um clube de leitura e oferece um espaço de eventos que reúne autores e fãs. O propósito de tudo isso? Liberdade e diálogo. Pagar as contas também, claro. Mas com um interesse genuíno por pessoas.

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