Um amor quando se prepara, altera a ordem das coisas. Para as pessoas mais distantes e distraídas, que não guardam o olhar em nada, a mudança que o amor provoca é uma peça de roupa que não se acha mais, um tropeço no degrau do box esverdeado do banheiro, a xícara que erra a boca e borra a fina blusa branca com um pingo que quase fere o peito alvo.
Um amor quando se declara, as palavras rompendo o muro mudo da hesitação, muda a temperatura nas calotas polares, precipita fortes chuvas em Antofagasta, cobre de branca neve Tel Aviv. Os olhares ainda um tanto assustados cruzam-se alvoroçados perguntando em silêncio sem saber direito o que houve, de onde e como é que esse amor surgiu.
Da janela que dá para o muro escuro da fuligem dos automóveis que tecem o tapete urbano, a moça com uma marca clara no dedo desfila seus olhares para o nunca, suspeitando poder estar perto do acontecimento. Sabe por experiência que há ali, em algum lugar próximo, um amor declarado. Sonha que seus ouvidos sejam a sua morada.
Quando um amor transborda, e se deve dizer escandindo a palavra (trans- bor- da) há surtos de risos curtos e enervantes, viradas bruscas de cabeças, pés roçando as próprias pernas embaixo das escrivaninhas de escritório, olhos fechando-se longamente, contraindo os músculos do rosto em esgares engraçados.
A moça, na mesa do restaurante fino de garçons alvos atentos e música leve ao fundo, mira radiante o anel novo, uma lágrima óbvia descendo de seu rosto, brilhante.
Quando um amor se acomoda e tudo parece estar na mais perfeita ordem, já é noite alta e ninguém dorme mais e as cortinas ficam abertas à espera do aparecimento súbito da lua.