Janine Mathias quer ocupar seu lugar de direito na música e na vida

Cantora brasiliense radicada em Curitiba faz samba de qualidade no espetáculo "Devoção", que apresenta no palco do Guairinha, nesta quarta-feira (6)

Agora, Janine Mathias está em casa. A sala tem um quadro grande do rapper The Notorious B.I.G., orixás, discos e reportagens enquadradas. O cenário remete à cultura negra e revela o traço mais marcante da artista: o culto à ancestralidade.

Em contrapartida, há peças de montar, um miniteclado e um carrinho de bebê. O ambiente também é ocupado pelo bebê Khalil, de pouco mais de um ano, filho de Janine.

Janine Mathias tem 38 anos e é de Brasília. Filha de sambista, ela começou a cantar em igrejas evangélicas. Chegou a ser indicada como pastora, mas mudou de ideia. A guinada foi influenciada por tias, que tinham proximidade com religiões de matriz africana.

A relação com Curitiba nasceu ao acaso. De vez em quando a família vinha passar férias no Paraná e, numa dessas oportunidades, em 2008, decidiu ficar. Para se sustentar, foi trabalhar no Athletico Paranaense, no setor do Sócio Furacão.

Janine sempre gostou de escrever. Escrevia sobre tudo e, numa dessas, criou alguns versos que a colocaram na cena do rap curitibano. O primeiro EP, “Eu quero mergulhar”, foi lançado em 2012 pela Track Cheio.

A vida

Apesar de ser uma figura que despontava no cenário cultural, Janine precisava viver o lado comum da vida: pegar ônibus, ir trabalhar, pagar os boletos. Sete anos depois de iniciar o trabalho no Sócio Furacão, a cantora se tornou colaboradora da Zara.

O paradoxo era enorme: dobrar peças de roupa e arrumar vitrines num dia e, no outro, fazer shows para grandes públicos em diversas cidades do Brasil.

Rincon Sapiência e Janine Mathias. (Foto: Arquivo pessoal)

Em 2013 Janine abriu o show de Elza Soares e, no ano seguinte, começou o projeto Samba da Nega, que definiu sua transição para o gênero musical. As pretensões de Janine já não cabiam em uma loja de roupas.

Inspiração

Voltar seu olhar para o samba carregou a cantora para um lugar afetivo e de reverência. O contato com as religiões de matriz africana, o rompimento com a igreja evangélica, a passagem pelo rap – que lhe rendeu uma boa amizade com nomes como a curitibana Karol Conká, além de trabalhos importantes com Tássia Reis e Rincon Sapiência.

Apesar de ouvir muitos elogios sobre sua voz, Janine demorou a perceber que ela poderia ser um instrumento de emancipação e trabalho. A construção foi longa, permeada por medo. Porém, o trajeto a colocou num lugar de potência.

Inspirada em sambistas tradicionais como Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Leci Brandão, Zeca Pagodinho, Clementina de Jesus e Fundo de Quintal, Janine lançou o disco colaborativo “Dendê”, em 2018.

Dificuldades

“Vou ocupar meu lugar de direito”, sentencia a cantora, com o filho nos braços. Janine se refere ao espaço na música nacional, que, segundo ela, é mais tortuoso para mulheres negras, que precisam de uma rede de apoio para seguir com o trabalho artístico.

Gente que frequentava eventos nos quais Janine cantava na Sociedade 13 de Maio, em Curitiba, ativistas do Movimento Negro, feministas, amigas e fãs. Esse circuito ampara o trabalho da artista, que embora não seja iniciante, ainda recebe propostas indecentes para se apresentar.

“Muita gente me chama para eventos pela representatividade, mas quer que eu me apresente gratuitamente. Ou me oferecem R$ 300”, critica.

Para manter as contas em dia – nem todas estão –, Janine tem uma linha de produtos próprios que exaltam a cultura negra. Para cumprir as agendas, conta com disponibilidade de mulheres para cuidar do filho e de outros artistas.

“No ‘Dendê’, por exemplo, entrei em contato com a Karol [Conká] para gravarmos juntas, mas ela só viu isso depois. Aí perguntou como poderia ajudar e eu fui bem sincera: faltava dinheiro para a assessoria e aí ela contratou e pagou”.

Janine Mathias, Tássia Reis e Karol Conká. (Foto: Reprodução/YouTube)

Ritual

À parte as dificuldades, Janine segue focada na agenda de julho, que além do show no Guairinha também tem apresentações no dia 16 (Canjão convida Janine Mathias) e 30 (Samba da Nega edição especial Soul Black).

No Guairinha, a apresentação conta com a participação dos músicos Serginho Pires, Macarrão, Nabio Rodrigues e Gustavo Moro na direção musical. Além disso, marcando um lugar de música popular negra, também tem participação de Lucas Arantes, no cavaquinho. O passista Felipe Barão e a Miss Preta farão participações especiais no show.

Criolo e Janine Mathias, em Maringá. (Foto: Reprodução/YouYube)

“Toda vez que subo no palco é uma emoção”, diz, aos risos. Janine Mathias já se apresentou para muita gente. Todavia, o ritual adotado é sempre o mesmo, não importa o lugar.

Reunir a equipe. Fazer uma oração para Jesus, Exu e os “deuses e deusas da música”, conferir a setlist e brilhar.

Embora conte com músicas inéditas, “Devoção” também reforça o posicionamento de Janine Mathias no cenário do samba de qualidade feito em Curitiba. “Eu canto samba porque o samba é minha religião”, diz a letra da música que dá nome ao espetáculo, composta por Rodrigo Paulo, Léo Fé e Nego Chandi. “Mais que um dom, minha devoção, minha razão pra sonhar.”

Música

Janine Mathias apresenta o espetáculo “Devoção”. Nesta quarta-feira (6), às 20 horas. Guairinha (Rua XV de Novembro, 971 – Centro), (41) 3304-7900. Ingressos: R$ 35, à venda aqui.

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