Iniciativa para empresários em Dubai teve pelo menos R$ 381 mil de dinheiro público

"Cotas" foram compradas por empresas públicas. O maior repasse foi da Copel

Evento organizado em Dubai, nos Emirados Árabes, para empresários paranaenses teve uso de recursos públicos. Pelo menos R$ 381 mil foram aportados por empresas públicas a título de patrocínio, em cotas “prata”, “bronze” e “cobre”, classificação dada de acordo com o montante do dinheiro disponibilizado.

As companhias paranaenses de Energia (Copel) e gás (Compagás) e também a Portos Paraná, ligadas ao governo do estado, financiaram parte da iniciativa, organizada pela Paraná Metrologia, organização social (Oscip) com cadastro na Receita Federal para atividades de análises técnicas e pesquisas científicas.

A Sanepar, cujos representantes receberam no evento internacional de Dubai um certificado do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que fica Curitiba, também teria sido uma das patrocinadoras. Embora não tenha sido dada nenhuma publicidade oficial aos repasses, a empresa não negou que tenha transferido verba para a organização do evento, batizado pelo governo do estado como “Paraná Business Experience”.

Até esta quarta-feira (20), nem a companhia de saneamento nem a Portos Paraná haviam tornado públicos os contratos firmados com a Paraná Metrologia para o evento em Dubai – uma das cidades mais caras do mundo. Apenas o documento assinado pela Copel foi localizado em site próprio. O acesso ao contrato da Compagás foi disponibilizado após contato da reportagem. Por envolver repasse de erário, a formalização contratual é obrigatória. Em nenhum dos casos, no entanto, houve processo licitatório.

A opacidade com que as estatais trataram o patrocínio segue a linha do Palácio Iguaçu, que há mais de uma semana presta, lentamente, informações genéricas sobre a viagem.

Detalhes do contrato da Compagás mostram que as cotas de patrocínio solicitadas pela Paraná Metrologia foram estabelecidas em nível prata (R$ 200 mil), bronze (R$ 100 mil) e cobre (R$ 50 mil). Em Diário oficial, consta que empresa pública que administra os portos no estado aplicou R$ 36 mil reais na iniciativa – abaixo do menor valor estipulado por cota. Da Compagás, também conforme publicação no Diário Oficial, foram outros R$ 50 mil, o que seria nível cobre. E da Copel, R$ 295 mil – acima da maior cota estabelecida.

O contrato da Copel mostra que, em troca dos R$ 295 mil, a companhia ganhou o direito de ter sua logomarca exibida em telão; ter conteúdo institucional inserido em plataforma digital de totem; e ter seu nome mencionado durante o evento. Também constavam no pacote a exibição de um vídeo institucional durante o evento e a possibilidade de participação de um executivo da empresa em rodadas de negócio.

Apesar de ter defendido a participação com “vistas à atração de novos investimentos e possibilidades de parcerias para o Paraná, em um processo socioeconômico que beneficia a população e resulta em mais consumo de energia, ampliando a receita da empresa”, no contrato consta que o repasse fechado pela companhia sairá da coordenadoria de marketing, muito embora a empresa tenha áreas específicas de relação com investidores e desenvolvimento de negócios. Conforme o documento, e reiterado em nota pela companhia, o valor só será transferido após comprovação de execução das atividades da contrapartida.

Já o contrato da Compagás estabeleceu como contrapartida ao patrocínio de R$ 50 mil a inserção da logomarca da empresa em vídeo institucional do evento, no painel oficial de logos, na programação da agenda oficial e citação do nome da companhia nos discursos de abertura, além da entrega do relatório de prestação de contas. “O apoio ao evento representará não somente um reforço quanto a capacidade de infraestrutura do Estado, mas principalmente como uma forma de reforçar a imagem corporativa da empresa frente à grandes investidores estrangeiros e atrair novos negócios para a Companhia”, diz texto da justificativa no contrato.

Governo nega repasse

Questionado na última sexta-feira (15), a gestão do governador Ratinho Jr. (PSD), que chefiou a missão em Dubai, só se manifestou nesta quinta (21) – e negou ter aplicado recursos públicos na iniciativa.

Documento da Parana Metrologia enviado a empresários do Paraná em forma de convite, ainda no ano passado, cita parceria com o governo do estado, por meio da Invest Paraná, agência estadual de investimentos, na organização da chamada “missão técnica/comercial” para a Expo Dubai 2020.

Adiada para este ano por causa da pandemia da Covid-19, a feira funciona como uma espécie de encontro de empresários, instituições e governos de diferentes partes do mundo para apresentar e discutir propostas de negócios em setores variados. No pavilhão brasileiro, os estados se intercalam até março de 2022, quando está previsto o encerramento da exposição.

O Paraná foi a comitiva que abriu a participação brasileira em Dubai, e a previsão inicial de gastos para a realização da Paraná Business Experience, iniciativa da comitiva paranaense voltada exclusivamente para empresários, foi de aproximadamente R$ 6 milhões. Os custos incluíram desde a logística da viagem até produção e edição de material de marketing e confecção de “brindes” – para o qual seriam separados mais de R$ 50 mil. Somente para locação de salas de reunião, com direito a equipes de bastidor e intérpretes, foram orçados aproximadamente R$ 800 mil.

Foi justamente para chegar à soma total que empresas públicas e prefeitos do Paraná foram convidados a “patrocinarem” o evento – que ocorreu nos últimos dias 12 e 13 de outubro, com parte de sua estrutura também usada por empresários do setor privado. No documento-convite enviado a empresários e representantes de empresas e instituições públicas, bem como a prefeitos do estado, a Paraná Metrologia pede dinheiro para viabilizar a comitiva, estruturada sob justificativa de ajudar “ainda mais a divulgar e acelerar a retomada da economia em Nosso Estado”. O texto é  assinado por Celso Romero Kloss, presidente da Oscip.   

A empresa não respondeu qual foi a fatia de dinheiro público usado para tirar a proposta do papel. Além de representantes da Copel, Sanepar e Portos Paraná, também viajaram a Dubai os prefeitos de Cascavel, Foz do Iguaçu, Maringá, Londrina, Ponta Grossa, Toledo e Guarapuava, conforme o próprio governo. A reportagem apurou ainda a presença de prefeitos de Imbaú, Castro, Carambeí e Piraí do Sul. A maioria deles divulgaram a viagem nas redes sociais.

“A realização da missão técnica/comercial foi viabilizada pela Paraná Metrologia por meio de contrato de patrocínio firmado com diversas empresas, de diversos setores, cujas informações são protegidas contratualmente. A Paraná Metrologia, em respeito ao sigilo comercial dos patrocinadores, entende que, se necessário, informações devem ser obtidas diretamente com as empresas”, justificou a Oscip. “O custeio do evento foi exclusivamente privado, sendo os valores dos patrocínios empregados na sua organização (logística, locações de espaços, montagem das exposições, etc). Em contrapartida ao patrocínio, foi franqueado aos patrocinadores a exposição nos eventos, permitindo a divulgação da marca e a participação nas rodadas de negócios”, acrescentou.

Em notas enviadas praticamente ao mesmo tempo, nesta quinta, tanto a Paraná Metrologia quanto o Executivo estadual refutaram uso de dinheiro proveniente do governo na missão.

“A iniciativa do missão técnica /comercial do Paraná em Dubai foi da Paraná Metrologia. A viabilidade e a organização do Paraná Business Experience, assim como o contato com patrocinadores, é de responsabilidade exclusiva da empresa. O Governo do Paraná entrou somente como apoiador da iniciativa porque entende que a visibilidade internacional trará novas divisas ao Estado, possibilitando retomada mais célere da economia no momento pós-pandemia”, informa nota da gestão de Ratinho Jr.

O governo confirmou que houve um memorando firmado com a Oscip, mas apenas “para formalizar apoio à missão internacional”. A empresa organizadora reiterou que o papel do governo foi apenas divulgar, “sem qualquer participação na organização e sem nenhum repasse de recurso”. Ao contrário do documento do convite feito aos empresários, o enviado à reportagem nesta quinta-feira não cita a Invest PR.

Segundo o Executivo, o único aporte feito à missão foi o custo da comitiva de 13 pessoas que viajaram a Dubai oficialmente em nome do governo. A lista oficial da comitiva também não foi publicada com antecedência, mas, na semana passada, foi informado que 12 pessoas integravam o grupo – uma a menos.

Os nomes divulgados foram dos secretários Sandro Alex (Infraestrutura e Logística); Norberto Ortigara (Agricultura e Abastecimento); Márcio Nunes (Desenvolvimento Sustentável e Turismo); e Marcel Micheletto (Administração e Previdência), além do diretor-geral do Departamento de Estadas e Rodagem (DER) Fernando Furiatti; o coordenador do Grupo de Trabalho do Plano Estadual Ferroviário de Ferrovias, Luiz Fagundes; o chefe do Escritório de Representação do Paraná em Brasília, Rubens Bueno Filho; e quatro servidores do departamento de Cerimonial e da Comunicação.

Mesmo a pedido, o governo manteve o suspense sobre as cifras e disse que os valores constarão no Portal da Transparência – ou seja, só poderão ser acessados após o trâmite de prestação de contas.

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