Décadas depois, violações da ditadura contra indígenas e mulheres vêm à tona

Estudo é coordenado por pesquisadora Marion Brepohl, da UFPR

Um grupo de pesquisadores do Paraná e da Argentina vem se esforçando para revelar os danos que as ditaduras da América Latina causou a pessoas vulneráveis. O estudo, coordenado pela historiadora Marion Brepohl, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostra que, ao contrário do que se diz, não foram apenas ativistas políticos e guerrilheiros que foram castigados pela ditadura brasileira.

Os estudos se concentram em indígenas que tiveram terras expropriadas, mulheres que sofreram violência sexual e migrantes. Os próximos passos envolvem estender a pesquisa para acompanhar violações cometidas contra professores, trabalhadores urbanos e negros. Leia a seguir a entrevista concedida por Marion Brepohl ao Plural.

Por que a senhora decidiu trabalhar com esse tema?

Tratamos de pessoas que foram atingidas pela ditadura militar, que sofreram graves violações de seus direitos e que não são lembradas, por não terem destaque na sociedade.

Normalmente, quando empregamos o termo vulneráveis,  termo que está em voga hoje em dia, é como sinônimo de “pessoas pobres”. Mas o que queremos dizer aqui são aqueles que não possuem representatividade alguma; não se fazem representar em sindicatos, associações ou partidos, daí sua invisibilidade política.

Por isso não são lembrados como alvo do regime militar, não sendo alvo portanto nem de reconhecimento, nem de justiça nem de reparação. Suas memórias restam subterrâneas, deixam de integrar a memória social do país.

O grupo de pesquisa  Direitos Humanos e Políticas de Memória – DIHPOM – que eu coordeno e que reúne professores de diversas universidades do Paraná e da Argentina se ocupa exatamente destas memórias. E no caso desta pesquisa, procuramos analisar três grupos sociais:  indígenas que tiveram suas terras expropriadas, principalmente aqueles que viviam no entorno da região que foi inundada para a construção da binacional Itaipu; as mulheres, não por terem atuado politicamente, isto também, mas por terem sofrido violência de gênero – uma imensa maioria, quando detida, sofreu  abusos sexuais  e, por fim, os migrantes diaspóricos, os sem-papéis que sofrem, até os dias de hoje, pela ausência de direitos em diversos níveis.

Quais resultados o grupo já produziu? É possível afirmar quais momentos foram mais dramáticos para essas populações?

Na primeira fase, os pesquisadores armazenaram e indexaram 1200 documentos da Comissão Estadual da Verdade Teresa Urban, grupo que examinou e esclareceu violações dos direitos humanos praticadas no Paraná entre 1946 e 1988. Além deste arrolamento de dados, que está disponibilizado digitalmente, publicamos  diversos livros, dentre eles, eu destacaria pelo menos dois: Conversa sobre Direitos Humanos, organizado por Angelo Priori, pela Editora Diálogos, um e-book disponibilizado gratuitamente para professores de ensino médio e outro, organizado por Marcos Gonçalves, Exílio, des-exílio e políticas de memória, pela Editora da UFPR. São informações importantes, pois desmistificam  a história de que no Paraná não houve tortura, de que houve pouca resistência à ditadura, e mais: o que se fala muito, hoje em dia, que os atos de exceção incidiram somente contra a luta armada. Indígenas e camponeses foram expropriados com brutal violência, contando, inclusive, com o apoio de empresas.

Quando você me pergunta sobre momentos dramáticos, eu responderia como Etienne Balibar, um filósofo francês; a violência é mais cruel quando não se tem como  reagir a ela; o estupro, a inundação das terras dos indígenas e dos camponeses que perdem suas meios de vida mas também sua cultura e a tortura foram momentos traumáticos em diversas vidas que estão descritas nestes documentos. E atingem a sociedade como um todo à medida em que esta sociedade evita reconhecer sua história

Quais foram os direitos humanos da população em geral mais violados na ditadura e hoje?

Em primeiro lugar, precisamos destacar que os direitos humanos são uma conquista, então, historicamente, eles não nos foram dados. Hannah Arendt formulou uma expressão que me é muito cara, “direito a ter direitos”, exatamente para colocar em evidência a seletividade com que o Direito como prática social em um determinado país concede direitos às pessoas. No Brasil, o direito mais sonegado à época da Ditadura era à opinião. Hoje é ao salário mínimo, secundado pelo direito à saúde. Mas poderíamos lembrar também da violência contra a mulher, cuja invisibilidade é bem conhecida, ou seja, o direito à saúde e à proteção da vida a um só tempo desrespeitados.

Aquilo que denominamos de populações vulneráveis, e isto varia no tempo e no espaço, diz respeito exatamente às populações que carecem de direitos a ter direitos: hoje, nós citamos estes trabalhadores venezuelanos ou haitianos que por não possuírem carteira de trabalho, submetem-se às piores condições, mas a lista é longa, pois a vulnerabilidade tem se ampliado e se diversificado.

Quais os próximos passos dessa pesquisa?

A primeira fase da pesquisa se dedicou a esses três grupos e prioritariamente, ao Estado do Paraná. Agora, pretendemos realizar investigar a documentação existente na Argentina, no Paraguai e em São Paulo, além de nos dedicarmos a outros grupos sociais, como professores, trabalhadores urbanos e pessoas que foram alvo de discriminação racial. Ainda não estamos certos, mas há algumas notícias de crianças sequestradas de seus pais, tal como ocorreu na Argentina, nós precisamos levar esta documentação em conta, parece que está no arquivo do Paraguai.

Outra atividade diz respeito à divulgação: pretendemos criar um canal na mídia digital para realizar entrevistas, aulas e conferências para o público mais amplo.

Vocês receberam uma emenda ao orçamento federal para esse trabalho. Em que isso ajuda neste trabalho?

A verba que recebemos do deputado Gustavo Fruet (PDT) foi fundamental. O CNPq e a Fundação Araucária praticamente interromperam suas atividades de financiamento à pesquisa científica no Brasil. Mas graças a esse auxílio, podemos dar prosseguimento, e este prosseguimento é importante por três motivos: para explorar outros grupos sociais não analisados na primeira fase; a integração com os países do Cone Sul que. É importante que se diga, há pesquisas mais avançadas do que as nossas nesta área; e, prosseguir no desenvolvimento das Humanidades Digitais, que é uma metodologia inovadora para a área de Humanidades, e que visa justamente criar bibliotecas, arquivos e banco de dados com novas tecnologias computacionais.

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